“A economia não pode parar”, essa é a máxima repetida constantemente por apoiadores do Presidente, sua equipe ministerial e por ele mesmo, muitas vezes, minimizando as mais de 110 mil mortes por coronavírus em nosso país. Nesta semana, assistimos perplexos à notícia de um trabalhador que morreu em um supermercado de Recife e foi coberto por guarda-sóis e tapumes, sem que as atividades do estabelecimento fossem suspensas[1], um triste retrato dos tempos em que vivemos, nos quais o lucro vale mais do que uma vida e temos que nos acostumar a seguir no “novo normal”, no qual é necessário enfrentar o risco de se contaminar, diariamente, para trazer dinheiro para casa e implorar para que possa continuar trabalhando no dia seguinte. No entanto, engana-se quem pensa que essas situações são problemas passageiros da pandemia.
Desde a Crise de 2008 e até antes, mas com menos intensidade, há uma tendência cada vez maior dos trabalhadores precisarem correr riscos, seja por terem que recorrer a empregos informais, sem direitos trabalhistas, ou por terem que sacrificar suas vidas em prol do trabalho, para que possam sustentar um padrão médio de vida, bem como abordado por Richard Sennet em “A corrosão do caráter”, livro no qual, em um relato sobre um diálogo com Rico, ele discorre sobre as diferenças entre o pensamento e realidade de Rico e seu pai, entrevistado pelo autor 15 anos antes, nesse diálogo, Sennet identifica no pensamento da nova geração, influenciado pelas novas relações de trabalho e pelas necessidades do novo capitalismo que, correr riscos é cada vez mais necessário para alcançar o sucesso e que os direitos trabalhistas que antes garantiam estabilidade, agora são vistos como armaduras burocráticas que não tem mais espaço em uma sociedade pautado no risco e na mudança permanente. Simultaneamente, tem-se a ascensão de um individualismo extremo, no qual cada um luta para se salvar e se auto promover, dificultando a organização coletiva para lutar contra as ameaças aos direitos trabalhistas, vistos como privilégios e conformismos pelo pensamento da sociedade, o qual é influenciado pelas classes dominantes.
Tendo em vista toda a situação supracitada, pode-se dizer que essa triste realidade nos guia a uma situação de crise da dignidade humana, uma vez que há uma precificação e uma instrumentalização das vidas humanas, as quais são utilizadas para atingir um fim, sendo a perda de milhares de vidas algo esperado e inevitável, digno de indiferença por aqueles que nos governam, para não permitir que a economia “quebre”.
Dessa forma, observa-se que essa tendência a correr riscos e a viver uma instabilidade constante com trabalhos flexíveis e sem direitos trabalhistas, intensificada agora na pandemia e que nos guia a uma condição de indignidade humana, continuará e a máxima de que “A economia não pode parar” será seguida, mesmo que para isso, os trabalhadores tenham que arriscar suas vidas, inclusive dando-as ao Deus Mercado, como o trabalhador de Recife, para que as engrenagens do sistema capitalista continuem rodando e os interesses das classes dominantes continuem sendo satisfeitos a partir da reprodução de pensamentos neoliberais estabelecidos por elas mesmas, nos quais se defende a privatização, diminuição do Estado e a flexibilização de direitos para fugir do chamado “custo Brasil”.
[1] Trabalhador morre em supermercado no Recife, corpo é coberto por guarda-sóis, e local continua funcionando. G1. Disponível em: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2020/08/19/representante-de-vendas-morre-em-supermercado-no-recife-e-corpo-e-coberto-por-guarda-sois.ghtml. Acesso em: 23/08/2020.
Rafael de Oliveira Trevisan- 1°ano- Direito Noturno.
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