Diante das inúmeras
escolhas a serem tomadas ao se abordar um tema multifacetado como o Direito, revela-se
extremamente improvável a adoção de uma postura, simultaneamente, distante de
uma visão exclusivamente instrumentalista, colocando-se o direito a serviço dos
desígnios da classe dominante, e alheia a uma perspectiva formalista,
afastando-se o Direito de qualquer influência de pressões sociais. Ao passo em
que se vislumbra uma Lógica duplamente determinada pelas relações de forças
específicas que lhe conferem a sua estrutura e que orientam as lutas de
concorrência e, por outro lado, pela lógica interna das obras jurídicas que
delimitam em cada momento, o universo das soluções propriamente jurídicas, devemos
nos colocar perante uma situação de eficiente ponderação.
Na mesma medida em que
o Direito retira das estruturas de poder internas à linguagem na qual seus
conflitos se expressam, embora não seja esse o princípio de sua transformação,
o ordenamento jurídico acaba por expressar o estado das relações de forças
externas a ele, tanto no concernente à racionalização que impõe à visão de
equidade, como até mesmo no avanço das conquistas dos dominados convertidas
deste modo em saber adquirido e reconhecido. Nessa perspectiva, a grande
questão que se coloca diante da complexa interação existente entre Direito e
sociedade é a definição, ou melhor, a delimitação, do espaço das possibilidades
“toleradas” pelo Direito posto, uma vez que tal é a moldura que contém toda e
qualquer interpretação “válida” da norma jurídica.
Em tal perspectiva se
dá a leitura de Bourdieu, para o qual a pouca probabilidade de desfavorecimento
dos dominantes se justifica pelo fato de que Ethos compartilhados explicam a
expressão dos valores dominantes no âmbito do campo, isto é, “A proximidade dos
interesses e, sobretudo, a afinidade dos habitus, ligada a formações familiares
e escolares semelhantes, favorecem o parentesco das visões de mundo”.
Diagnosticando-se tais características, mostra-se mais palpável uma leitura
mais funcional da dinâmica do pensamento jurídico e sua busca por manutenção. Partindo-se
do pressuposto de que inovações jurídicas só se mostram possíveis na exata
medida em que encontram respaldo pelo atual ordenamento jurídico, espera-se
encontrar certo e relevante coeficiente de atrito que busque resistir a
qualquer influência externa que busque perturbar o estado de inércia no qual o
Direito se coloca quando em contato com a sociedade.
Decisões como a
realizada pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental 54 podem ser lidas em conformidade com o
tema aqui abordado, seja por meio de perspectiva que aproxime o Direito das
demandas e pressões exercidas pela sociedade, ou até mesmo pela ótica que
interprete tal decisão como uma das possibilidades “previstas” e “aceitas” por
nossa contemporânea interpretação de nosso ordenamento jurídico, a qual, por
motivos secretos, acaba, vez ou outra, por coincidir com as mudanças por alguns
tão esperada.
ANGELO C NETO - 4º ANO DIREITO - DIURNO