Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 15 de maio de 2011

Solidariedade para quem?

Émile Durkheim é visto como um dos pais da sociologia moderna não só pelo que desenvolveu sobre o fato social e o método sociológico, mas também pelo que expôs acerca da divisão do trabalho.

Primeiramente, é necessário ressaltar que para o autor, a função da divisão do trabalho diz respeito às necessidades a que ela corresponde, e não propriamente ao que faz. Durkheim afirma que esta é a fonte da civilização, tendo portanto a capacidade de torná-la possível, pela sincronia que o trabalho provoca na sociedade. O autor também questiona se a civilização é imoral, considerando que a atividade industrial, apesar de ser útil, não responde a necessidades morais. De fato, é nos maiores centros industriais, que poderiam ser considerados mais civilizados, que ocorre maior número de crimes, suicidios e tragédias do gênero.

Durkheim estabelece por fim o principal aspecto da divisão do trabalho: seu efeito moral é a geração de solidariedade, elemento central na organização social. Pode-se tomar como exemplo as sociedades conjugais contemporâneas, nas quais a divisão do trabalho cria uma grande dependência, pois "a imagem daquele que nos completa é inseparável da nossa", e isso contribui para a fortificação dos laços sociais e a coesão da nossa sociedade, adquirindo portanto, sob esse prisma, um caráter moral. Portanto, a divisão do trabalho tornaria as funções divididas solidárias, indo além da esfera dos interesses econômicos: consiste, essencialmente, no estabelecimento de uma ordem social e moral. Essa ideia pode ser verificada também no pensamento de Comte, que acredita na prevalência do todo sobre o indivíduo. O importante para Durkheim é que cada um precise da sociedade de forma orgânica, e que a intensa diferenciação se incorpore à ordem.

O Direito também tem um papel importante dentro dessa sociedade sincrônica: seria o reflexo do desenvolvimento social, a organização das relações entre os indivíduos. Reproduz, portanto, todos os tipos essenciais de solidariedade, tendo como base os costumes, e é composto por dois tipos de sanções: a repressiva (predominante no direito penal) e a restitutiva (reposição da ordem), sendo a primeira característica das sociedades primitivas e esta última, das sociedades complexas e modernas, dotadas de maior liberdade para se pensar e agir.

A divisão do trabalho garante então o equilíbrio e a unidade do corpo social, pressupondo-se a aceitação do que é diferente, com cada qual exercendo sua função e dependendo dos outros para sobreviver, daí surgindo a necessidade de se manter solidário ao próximo. Essa ideia de aceitação das funções também está presente em Comte, e suscita, como já discutido nesse outro autor, discussões controversas sobre a ideia de progresso, evolução e ascensão social. Será que, desse ponto de vista, ela é acessível a todos ou apenas àqueles que estão nas classes superiores? A grande questão é se essa solidariedade também é buscada pelos que já estão no topo e subjugam os outros.

Em suma, fica bastante claro na obra de Durkheim que o elemento básico e central da sociedade é, em uma palavra, a solidariedade, e esta só pode ser atingida com a divisão do trabalho. Essa preocupação com o todo destaca mais uma vez a prevalência da sociedade em sua concepção, da conexão existente entre cada um. Uma pena que esse pensamento seja raramente incorporado nos dias de hoje, quando se vê a divisão do trabalho como um mero instrumento de poder e enriquecimento, com total indiferença a princípios morais. Por isso, não há como negar que Durkheim estava coberto de razão ao dizer que a civilização tem pouca influência positiva sobre a vida moral. E a dúvida continua surgindo nos dias de hoje: solidariedade, afinal, de todos para todos ou apenas para os "grandões"?

Nenhum comentário:

Postar um comentário