A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 (ADPF 54) realizada no ano de 2012 buscou julgar a constitucionalidade do aborto em casos de anencefalia. Como se sabe, até 2012, a interrupção da gravidez no Brasil só era permitido em casos específicos em que a vida da gestante corre sério risco ou em casos de estupro. Entretanto, com o crescimento dos debates e emancipação dos movimentos feministas buscou-se ampliar o direito da mulher de realizar o aborto, como por exemplo, quando o feto é acometido por anencefalia, doença que impede a formação integral do cérebro ou crânio do feto e portanto, há impossibilidade de vida por mais de poucas horas em 99% dos casos.
Adiante, é preciso expor os argumentos favoráveis à realização da interrupção em questão. Diante disso é evidente que a mulher passará por um processo doloroso, sabendo que terá que passar meses com o feto na barriga, criando uma afetividade que não poderá ser prolongada, gerando dor e sofrimento. Por fim, por diversas definições médicas, a morte real se dá através de morte encefálica (completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro) atestada por dois médicos, sendo assim, se não há formação do cérebro, não é possível a vida.
Como forma de analisar o caso em questão, podemos recorrer à filosofia de Pierre Bordieu, francês nascido em 1930, e portanto, contemporâneo às demandas sociais mais recentes. Bordieu afirma que para que uma regra seja eficaz em uma determinada sociedade, essa sociedade deverá ser passível de recebê-la e aplicá-la, ou seja, deverá fazer parte do "Espaço dos Possíveis". Sendo assim, a aprovação da norma que possibilita a interrupção da gravidez deve ser pautada nas mais diversas características da sociedade. E para tanto, Bordieu no leva a outro conceito, o de "campos".
Para o filósofo francês, existem vários campos na sociedade, como por exemplo, o Campo Médico, o Campo Jurídico, campos estes que dentre muitos outros que acabam por envolver a aprovação de uma norma como a em questão, sendo que, caso estejam de acordo, podem favorecer a implementação da lei por estar dentro do campo dos possíveis.
Ao analisarmos o Campo Médico, fica evidente um consenso de que o caso analisado é procedente. Pois, como já salientado, a medicina define a morte real como encefálica, e portanto, como não há formação do cérebro que consiga exercer suas funções, não é possível haver morte, e consequentemente, se algo não pode morrer é porque ele não está vivo. Por conseguinte, o campo médico reconhece os prejuízos que a gestação de um feto anencefálico pode ocasionar na mulher: como o feto não consegue exercer boa parte de suas funções vitais há um acúmulo de líquido amniótico na gestante, podendo gerar hemorragia, deslocamento de placenta, desequilíbrios hormonais e até mesmo a morte.
Consoante ao campo analisado, destaca-se o Campo Jurídico, que deve estar de acordo com a constitucionalidade do caso para que a norma possa ser aprovada e colocada em prática. Neste campo, as normas pré-existentes, jurisprudências e necessidades são os pilares para julgar a possibilidade. Portanto, desde 1940 o aborto é criminalizado pela Código Penal, entretanto, deixa claro que quando há risco para a gestante, não se deve punir o médico que realiza o procedimento, diante disso, é possível concluir que a anencefalia do feto traz riscos à integridade física da mulher e deste modo, verifica-se a possibilidade da realização do aborto nestes casos.
Diante do que foi exposto, é possível afirmar que de acordo com a ideia de "Espaço dos Possíveis" de Pierre Bordieu, é plenamente possível a legalização do aborto nos casos de anencefalia do feto pois no Brasil, diversos campos convergem para a necessidade de tal feito.
Lorenzo Pedra Marchezi - Direito - 1º Ano - Noturno
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