Primeiramente, é muito importante explicar o que é a condição de
anencefalia, trata-se de uma das piores anomalias do sistema nervoso do
embrião. Essa má formação dificulta muito a vida fora do útero e pode
prejudicar a vida mulher durante a gravidez. Em casos graves, o feto caso consiga
sobreviver depois do parto não é capaz de desfrutar nem da consciência e nem da
afetividade. Com isso em mente sabe-se que manter o feto anencefálico
representa uma angústia constante para a mãe (que sabe que ao dar à luz, o seu recém-nascido
possui grandes chances de ir a óbito) e um risco de vida para ela (as chances da
grávida sofrer com hipertensão, hemorragias ou infecções são maiores). Entretanto, mesmo com todos esses fatores em
mente muitos ainda foram contra a legalização da interrupção da gravidez
em casos de anencefalia.
Pode-se observar os que foram contra o aborto nessa situação
específica o fizeram por estarem extremamente inseridos em campos machistas e
conservadores. Esses indivíduos acabaram sendo moldados pelos habitus que
tanto convivem, até que começaram a reforçá-lo, e qualquer ameaça a ele é
defendida com unhas e dentes. Assim,
observa-se que as crenças dessas pessoas acabam por influenciar uma avaliação
racional da realidade do universo feminino. Por mais que muitos juízes utilizem
da neutralidade para dizerem os seus vereditos, vários não conseguem
esconder quando sua decisão é baseada em preceitos religiosos sem considerar a
realidade da condição da vida de muitas mulheres que passam por essa situação
tão delicada.
Ao analisarmos a historizarão das normas em relação ao direito das
mulheres, pode-se observar diversos avanços ao longo do tempo no Brasil. Em
1932, a mulher adquiriu o direito ao voto no Brasil. Em 1940, no Código Penal
Brasileiro já existia previsões para o aborto em caso de estupro. E, somente,
em 1988 com a Constituição Cidadã que a mulher foi classificada como possuidora
da igualdade jurídica em relação ao homem. Em 2006, foi criada a lei contra a violência
doméstica (Lei Maria da Penha). Válido lembrar que ainda estão em vigor
atualmente outras que permitiram o aborto em caso de estupro e risco de vida à
mulher. Em suma, é visível perceber grandes avanços para chegarmos em 2012,
momento em que a igualdade material ainda não é 100% realidade, mas percebe uma
mudança em boa parte da mentalidade humana, nas leis e doutrinas já existentes.
Portanto, trazer a norma da interrupção da gravidez em caso de gravidez
anencefálica em um momento que se conhece e valoriza mais os direitos das
mulheres sobre seus corpos e suas vidas é algo muito cabível e racional para
esse tempo histórico.
O filósofo, Pierre Bourdieu, já afirmava que o direito devia evitar o instrumentalismo,
ou seja, não deveria defender os interesses de apenas um grupo com poder.
Felizmente, a instrução de Bourdieu foi seguida e a racionalidade venceu, foi
aprovado a legalidade da interrupção da gravidez nesse caso. Vale ressaltar que
no Brasil, naquele momento, já era permitido por lei o aborto em caso de
estupro ou de risco de vida para a mulher. Por conta disso, percebe-se que
legalizar o aborto em caso de anencefalia já estava dentro do espaço dos
possíveis, justamente, por causa do fortalecimento de movimentos sociais
que já haviam conseguido apoio do direito em alguns aspectos.
Por fim, defendo que podemos
acreditar num futuro em que os indivíduos acumulem mais capital sobre o
feminismo, e o habitus dominante seja o de autonomia dos corpos
femininos. Essa visão não é utópica,
pois nos campos seja sociais, jurídicos ou científicos podem ocorrer mudanças e
essas podem ser incorporadas para que, por fim, uma nova ordem mais igualitária
e libertária se estabeleça.
Heloísa Salviano, primeiro ano de direito noturno.
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