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segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Direito das mulheres e a ADPF 54

Primeiramente, é muito importante explicar o que é a condição de anencefalia, trata-se de uma das piores anomalias do sistema nervoso do embrião. Essa má formação dificulta muito a vida fora do útero e pode prejudicar a vida mulher durante a gravidez. Em casos graves, o feto caso consiga sobreviver depois do parto não é capaz de desfrutar nem da consciência e nem da afetividade. Com isso em mente sabe-se que manter o feto anencefálico representa uma angústia constante para a mãe (que sabe que ao dar à luz, o seu recém-nascido possui grandes chances de ir a óbito) e um risco de vida para ela (as chances da grávida sofrer com hipertensão, hemorragias ou infecções são maiores).  Entretanto, mesmo com todos esses fatores em mente muitos ainda foram contra a legalização da interrupção da gravidez em casos de anencefalia.

Pode-se observar  os que foram contra o aborto nessa situação específica o fizeram por estarem extremamente inseridos em campos machistas e conservadores. Esses indivíduos acabaram sendo moldados pelos habitus que tanto convivem, até que começaram a reforçá-lo, e qualquer ameaça a ele é defendida com unhas e dentes.  Assim, observa-se que as crenças dessas pessoas acabam por influenciar uma avaliação racional da realidade do universo feminino. Por mais que muitos juízes utilizem da neutralidade para dizerem os seus vereditos, vários não conseguem esconder quando sua decisão é baseada em preceitos religiosos sem considerar a realidade da condição da vida de muitas mulheres que passam por essa situação tão delicada.

Ao analisarmos a historizarão das normas em relação ao direito das mulheres, pode-se observar diversos avanços ao longo do tempo no Brasil. Em 1932, a mulher adquiriu o direito ao voto no Brasil. Em 1940, no Código Penal Brasileiro já existia previsões para o aborto em caso de estupro. E, somente, em 1988 com a Constituição Cidadã que a mulher foi classificada como possuidora da igualdade jurídica em relação ao homem. Em 2006, foi criada a lei contra a violência doméstica (Lei Maria da Penha). Válido lembrar que ainda estão em vigor atualmente outras que permitiram o aborto em caso de estupro e risco de vida à mulher. Em suma, é visível perceber grandes avanços para chegarmos em 2012, momento em que a igualdade material ainda não é 100% realidade, mas percebe uma mudança em boa parte da mentalidade humana, nas leis e doutrinas já existentes. Portanto, trazer a norma da interrupção da gravidez em caso de gravidez anencefálica em um momento que se conhece e valoriza mais os direitos das mulheres sobre seus corpos e suas vidas é algo muito cabível e racional para esse tempo histórico.

O filósofo, Pierre Bourdieu, já afirmava que o direito devia evitar o instrumentalismo, ou seja, não deveria defender os interesses de apenas um grupo com poder. Felizmente, a instrução de Bourdieu foi seguida e a racionalidade venceu, foi aprovado a legalidade da interrupção da gravidez nesse caso. Vale ressaltar que no Brasil, naquele momento, já era permitido por lei o aborto em caso de estupro ou de risco de vida para a mulher. Por conta disso, percebe-se que legalizar o aborto em caso de anencefalia já estava dentro do espaço dos possíveis, justamente, por causa do fortalecimento de movimentos sociais que já haviam conseguido apoio do direito em alguns aspectos.

 Por fim, defendo que podemos acreditar num futuro em que os indivíduos acumulem mais capital sobre o feminismo, e o habitus dominante seja o de autonomia dos corpos femininos.  Essa visão não é utópica, pois nos campos seja sociais, jurídicos ou científicos podem ocorrer mudanças e essas podem ser incorporadas para que, por fim, uma nova ordem mais igualitária e libertária se estabeleça.

Heloísa Salviano, primeiro ano de direito noturno.

 

 

 

 

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