O Brasil é o quarto país com mais casos de
anencefalia do mundo, circunstância em que decorre a malformação no fechamento
do tubo neural, deixando o cérebro exposto, o que gera a necessidade de
racionalização e de legitimação de uma questão extremamente importante para a
saúde pública brasileira. Por esse fato, em 2004, a Confederação Nacional dos
Trabalhadores da saúde, levantou a pauta para discussão sobre a interrupção da
Gestação de Anencefalia, apresentando ao Supremo Tribunal Federal a ADPF54, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, com o propósito de que a
interrupção da gravidez, nesse caso, fosse julgada constitucional. Após a
convocação de audiências públicas, exposição técnica de especialistas e de
testemunhas, a decisão no STF não foi unânime, mas foi de maioria favorável ao
alvará judicial.
Analisando sob a perspectiva de Bourdieu dentro do espaço
dos possíveis, reconhece-se que há falta de consenso na jurisprudência sobre a
determinação do início da vida, mas como mencionado na defesa do Ministro Luiz
Barroso, há um marco para o que é considerado morte, a paralização do
funcionamento do cérebro, e levando se em conta que um feto anencefálico possui
100% de chances de morte, durante ou pouco tempo após a gestação, a interrupção
da gravidez não pode ser considerada como uma manifestação do aborto. Vale
salientar que apesar da lei, de 1940, fazer a resolução de abortamento apenas
em casos de estupro e quando a vida da gestante está em risco, deve ser
ressaltado que nesse determinado contexto histórico não havia a capacidade de
ser determinar um diagnostico certeiro, condição que não é mais uma realidade
nos tempos atuais, pois segundo o dr. Thomas Gollop, anencefalia foi um dos
primeiros diagnósticos reconhecidos por ultrassom, revelando que é possível
identificar com clareza essa condição.
Para Bourdieu, o direito deve evitar o instrumentalismo,
buscando representar as questões sociais pleiteadas por todas as classes, e a
moral popular em relação a mãe dar continuidade a gestação, desconsiderando,
também, outro direito fundamental da mulher que é a Dignidade Humana, considerando
apenas uma interpretação da defesa de um direito a vida do feto, é uma evidente
exibição da influencia de uma sociedade patriarcal que torna a mulher vitima do
sistema e sem voz para as suas próprias dores e questões. Por esse fato, é de
grande importância que ocorra a adequação e ponderação dos de direitos, como prevê
a análise pela Teoria Externa do
Direito, para o lado da mulher, não do feto que não possui potencial de
vida em desenvolvimento, reconhecendo que há muitos outros direitos em questão
que levam a refletir sobre a decisão, e não devem ser banalizados em
favorecimento apenas de um, reforçando-se, então, que mulheres possuam direitos
muito além da reprodução e de possuir, apenas, um espaço de voz no âmbito
familiar.
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