Questão levantada em discussão pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em 2004, e julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012, através da Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental 54, que traz a luz a questão da Interrupção da Gestação em Casos de Anencefalia, condição na qual o feto passa por uma “malformação em que não acontece o fechamento do tubo neural, ficando o cérebro exposto”, no qual a decisão fora positiva para a não criminalização da interrupção da gestação nesses casos. Nesse sentido, é preciso que, dada a atual conjuntura brasileira, analisar-se este julgado de modo a reforçar a importância desta decisão do Supremo Tribunal Federal, como uma forma de potencialização de Direitos à Saúde da Mulher, fazendo uso para tal questão, a visão do sociólogo Pierre Bourdieu, reforçando a decisão levantada pelo Judiciário brasileiro.
Nesse sentido, é preciso, primeiramente, tratar acerca do
cerne discutido na ADPF 54. Dessa forma, o julgado trata-se da questão da
Interrupção da Gravidez em casos em que o Feto é diagnosticado com Anencefalia,
na qual o cérebro fica exposto, podendo ocorrer a morte com poucos meses, ainda
dentro do corpo da mulher, e, caso ocorra o nascimento, de acordo com estudos,
a criança consegue se manter viva por minutos, ou horas, de modo a levantar
abalos significativos à mãe, uma vez que em 100% dos casos, a consequência é a
morte. A Justiça brasileira, com base na resolução de 1940, não concedia
autorização de interrupção da gravidez, salvo em casos de estupro, entretanto,
tal situação fora mudada a partir de 1989, com a autorização nos tribunais de
interrupções em um caso de feto anencefálico. Dessa forma, tal panorama ganha
destaque com o tempo, em especial no ano de 2004, no qual a CNTS leva a questão
ao Judiciário, novamente, dada a confiabilidade do diagnóstico de anencefalia
ainda durante da gestação, e sendo essa uma condição na qual não há
possibilidade de vida, e ainda colocando em risco a saúde da mulher – questão
que seria efetivamente julgada em 2012.
Ainda, é preciso atentar acerca dos conflitos levantados no
litígio. Nesse sentido, aqui faz-se uso, principalmente, da tese utilizada pelo
Ministros Luiz Barroso, em sua defesa pela não criminalização da interrupção
nos casos de anencefálicos. Dessa maneira, Barroso se apoia na ideia de que a
Interrupção em casos de fetos anencefálicos não se configura como criminoso uma
vez que não se encaixa nas resoluções de 1940, e que ainda, para a Lei, a vida
não tem início marcado –sendo uma grande questão discutida pelas ciências
biológicas- mas que, no entanto, tem-se uma marca para morte, que seria a
paralização do funcionamento do cérebro, o que acontece com os fetos
anencefálicos, não sendo considerados, então como aborto. Barroso também
levanta a questão do sofrimento que acomete à mulher, considerando que, uma vez
que não se há potencialidade para vida, a interrupção é menos gravosa do que
nos casos previstos em lei, no qual a mulher só poderia abortar em casos de
estupro e risco de vida. Além disso, Barroso destaca a questão da Dignidade
Humana, julgando que obrigar uma mulher a seguir com uma gravidez na qual
sabe-se que o feto não tem potencialidade de vida estaria ferindo os conceitos
básicos de dignidade do indivíduo.
Dessa forma, pode-se
analisar, neste momento, a ADPF 54 com traços do pensamento do sociólogo
Bourdieu. Nesse sentido, Bourdieu afirma que para que uma regra social seja
efetiva e pertinente ao campo em que se destina é preciso que esta esteja de
acordo com o “Espaço dos Possíveis” daquela sociedade. Nesse interim, o “Espaço
dos Possíveis” deve-se estar pautado em, por exemplo, legislações, doutrinas,
jurisprudências. Dessa forma, observa-se que a ADPF 54 se faz pertinente, com
base na ideia de Espaço dos Possíveis, por se tratar de uma demanda levantada
por grupos tanto do campo Ativista Feminista, quanto Medico/Saúde, que levou
esse tema aos tribunais, além dessa demanda, observa-se que após 1989, com o
primeiro caso autorizado, mais de 10 mil interrupções à gravidez de fetos
anencefálicos foram aprovadas em razão da jurisprudência aplicada aos casos, em
que Barroso afirma ser um desdobramento
da tecnologia e de se saber, ainda na gestação, que o feto é anencefálico, o
que não era possível em 1940. Logo, verifica-se que há a possibilidade efetiva
de cumprimento da norma demandada pela ADPF 54 em razão de caracteres que se
enquadram em Espaços Possíveis estipulados por Bourdieu. Dessa maneira, é
mister atentar também que as expressões de racionalização do Direito na discussão
do caso. Dessa forma, é interessante olhar pela questão de como as questões
religiosas e fundamentalistas devem ser deixadas de lado para real análise e
interpretação do caso disposto pela ADPF 54. Uma vez que se tratava de um tema
delicado, considerado um TABU pela sociedade brasileira e que deveria dispor de
uma decisão que fosse – mesmo que impossível – universal e de certa forma
“neutra” dentro do quadro apresentado, tendendo para um caráter racional da discussão .
Por fim, verifica-se que, a ADPF 54, dentro do campo
histórico em que ela se aplica e dada suas reverberações no campo atual, pode
ser considerada efetiva uma vez que integra uma ampliação de direitos que
concernem à Saúde da Mulher, promovendo uma maior materialidade e respaldo
legislativo no campo da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia.
Compreende-se, portanto, que a ADPF 54 configura-se como um avanço em questão
de Direito da Mulher, e dada época em que fora positivada estava dentro dos Espaços
dos Possíveis estipulados por Pierre Bourdieu, fazendo com que fosse, dessa
maneira, aplicáveis e correspondendo a demanda que se fez preciso.
Larissa Vitória Moreira - 2º Semestre Direito UNESP - Noturno
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