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segunda-feira, 29 de agosto de 2022

ADPF 54 sob perspectiva de Bourdieu

         Questão levantada em discussão pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde, em 2004, e julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2012, através da Arguição de Descumprimento do Preceito Fundamental 54, que traz a luz a questão da Interrupção da Gestação em Casos de Anencefalia, condição na qual o feto passa por uma “malformação em que não acontece o fechamento do tubo neural, ficando o cérebro exposto”, no qual a decisão fora positiva para a não criminalização da interrupção da gestação nesses casos. Nesse sentido, é preciso que, dada a atual conjuntura brasileira, analisar-se este julgado de modo a reforçar a importância desta decisão do Supremo Tribunal Federal, como uma forma de potencialização de Direitos à Saúde da Mulher, fazendo uso para tal questão, a visão do sociólogo Pierre Bourdieu, reforçando a decisão levantada pelo Judiciário brasileiro.

Nesse sentido, é preciso, primeiramente, tratar acerca do cerne discutido na ADPF 54. Dessa forma, o julgado trata-se da questão da Interrupção da Gravidez em casos em que o Feto é diagnosticado com Anencefalia, na qual o cérebro fica exposto, podendo ocorrer a morte com poucos meses, ainda dentro do corpo da mulher, e, caso ocorra o nascimento, de acordo com estudos, a criança consegue se manter viva por minutos, ou horas, de modo a levantar abalos significativos à mãe, uma vez que em 100% dos casos, a consequência é a morte. A Justiça brasileira, com base na resolução de 1940, não concedia autorização de interrupção da gravidez, salvo em casos de estupro, entretanto, tal situação fora mudada a partir de 1989, com a autorização nos tribunais de interrupções em um caso de feto anencefálico. Dessa forma, tal panorama ganha destaque com o tempo, em especial no ano de 2004, no qual a CNTS leva a questão ao Judiciário, novamente, dada a confiabilidade do diagnóstico de anencefalia ainda durante da gestação, e sendo essa uma condição na qual não há possibilidade de vida, e ainda colocando em risco a saúde da mulher – questão que seria efetivamente julgada em 2012.

Ainda, é preciso atentar acerca dos conflitos levantados no litígio. Nesse sentido, aqui faz-se uso, principalmente, da tese utilizada pelo Ministros Luiz Barroso, em sua defesa pela não criminalização da interrupção nos casos de anencefálicos. Dessa maneira, Barroso se apoia na ideia de que a Interrupção em casos de fetos anencefálicos não se configura como criminoso uma vez que não se encaixa nas resoluções de 1940, e que ainda, para a Lei, a vida não tem início marcado –sendo uma grande questão discutida pelas ciências biológicas- mas que, no entanto, tem-se uma marca para morte, que seria a paralização do funcionamento do cérebro, o que acontece com os fetos anencefálicos, não sendo considerados, então como aborto. Barroso também levanta a questão do sofrimento que acomete à mulher, considerando que, uma vez que não se há potencialidade para vida, a interrupção é menos gravosa do que nos casos previstos em lei, no qual a mulher só poderia abortar em casos de estupro e risco de vida. Além disso, Barroso destaca a questão da Dignidade Humana, julgando que obrigar uma mulher a seguir com uma gravidez na qual sabe-se que o feto não tem potencialidade de vida estaria ferindo os conceitos básicos de dignidade do indivíduo.

  Dessa forma, pode-se analisar, neste momento, a ADPF 54 com traços do pensamento do sociólogo Bourdieu. Nesse sentido, Bourdieu afirma que para que uma regra social seja efetiva e pertinente ao campo em que se destina é preciso que esta esteja de acordo com o “Espaço dos Possíveis” daquela sociedade. Nesse interim, o “Espaço dos Possíveis” deve-se estar pautado em, por exemplo, legislações, doutrinas, jurisprudências. Dessa forma, observa-se que a ADPF 54 se faz pertinente, com base na ideia de Espaço dos Possíveis, por se tratar de uma demanda levantada por grupos tanto do campo Ativista Feminista, quanto Medico/Saúde, que levou esse tema aos tribunais, além dessa demanda, observa-se que após 1989, com o primeiro caso autorizado, mais de 10 mil interrupções à gravidez de fetos anencefálicos foram aprovadas em razão da jurisprudência aplicada aos casos, em que  Barroso afirma ser um desdobramento da tecnologia e de se saber, ainda na gestação, que o feto é anencefálico, o que não era possível em 1940. Logo, verifica-se que há a possibilidade efetiva de cumprimento da norma demandada pela ADPF 54 em razão de caracteres que se enquadram em Espaços Possíveis estipulados por Bourdieu. Dessa maneira, é mister atentar também que as expressões de racionalização do Direito na discussão do caso. Dessa forma, é interessante olhar pela questão de como as questões religiosas e fundamentalistas devem ser deixadas de lado para real análise e interpretação do caso disposto pela ADPF 54. Uma vez que se tratava de um tema delicado, considerado um TABU pela sociedade brasileira e que deveria dispor de uma decisão que fosse – mesmo que impossível – universal e de certa forma “neutra” dentro do quadro apresentado, tendendo para um caráter racional da discussão .

Por fim, verifica-se que, a ADPF 54, dentro do campo histórico em que ela se aplica e dada suas reverberações no campo atual, pode ser considerada efetiva uma vez que integra uma ampliação de direitos que concernem à Saúde da Mulher, promovendo uma maior materialidade e respaldo legislativo no campo da interrupção da gravidez nos casos de anencefalia. Compreende-se, portanto, que a ADPF 54 configura-se como um avanço em questão de Direito da Mulher, e dada época em que fora positivada estava dentro dos Espaços dos Possíveis estipulados por Pierre Bourdieu, fazendo com que fosse, dessa maneira, aplicáveis e correspondendo a demanda que se fez preciso.

Larissa Vitória Moreira - 2º Semestre Direito UNESP - Noturno

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