A ADPF 54 sob a perspectiva de Bourdieu
Em 2012, foi julgada como procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 (ADPF 54), que concede às gestantes de fetos anencéfalos a permissão de interrupção da gravidez. Essa condição médica congênita, a Anencefalia, acontece a partir de uma malformação do tubo neural, que faz com que o cérebro e o cerebelo do feto não se desenvolvam ou se desenvolvam parcialmente e com que, após o nascimento, a criança não sobreviva por muitas horas.
Nesse sentido, considerou-se, durante o julgamento, a questão dos Direitos Fundamentais da mulher, concedendo-lhe o direito de escolha de não se submeter a uma gravidez inoportuna, em que o filho não possui condições favoráveis de sobrevivência, e então, a decisão do tribunal se deu por maioria e nos termos do voto do Relator, e julgou-se procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II do Código Penal.
No entanto, em oposição ao reconhecimento dos direitos à autonomia, dignidade e liberdade femininas quanto à decisão da interrupção da gravidez, certos grupos defendem que qualquer vida humana, mesmo que sem esperanças de qualidade ou extensão de vida, deve ser preservada. Esse conflito de perspectivas sobre a questão julgada na ADPF 54, sob a ótica do sociólogo francês Pierre Bourdieu, pode ser englobada pela percepção que se tem sobre o espaço dos possíveis. Pode-se fazer essa relação pois, dentro do campo jurídico, esse conflito é determinado de acordo com uma lógica própria, em que a decisão e suas consequências são uma expressão do poder simbólico e, mesmo que não aparente, são reflexo de relações de forças externas ao próprio Direito, pois regula a concorrência de, de um lado, a lógica positiva da ciência, marcada pela possibilidade de escolha da interrupção da gravidez, e da lógica normativa da moral, que defende a preservação da vida fetal a qualquer custo.
Dessa forma, fica evidente que a ADPF 54 foi levantada para que se reconhecesse uma necessidade simultaneamente lógica e ética, o que foi conquistado com sua decisão de procedência e consequente possibilidade de decisão de interrupção da gravidez em casos de anencefalia. Assim, a concessão de tal permissão de interromper foi universalizante e reconheceu o direito feminino de autonomia, escolha e liberdade dentro desse contexto, com a reinterpretação normativa e representação da luta simbólica feminina no campo jurídico a partir da conquista realizada no julgamento do STF.
Luiza Polo Rosario - 1º ano matutino
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