A ADPF 54 sob
uma análise de Pierre Bourdieu: a interdependência entre os conceitos de
Domínio simbólico e Espaço dos possíveis diante da posição da mulher na
sociedade.
Ajuizada perante o STF em junho de 2004, a Arguição de descumprimento de preceito fundamental
n°54 (ADPF 54) teve por objetivo garantir às mulheres grávidas de anencéfalos o
parto antecipado sem prévia autorização judicial. Nesse sentido, seria por meio
do não enquadramento penal de tal prática médica nos artigos 124, 126, caput, e 128, incisos I e II do Código Penal que ter-se-ia a plena
garantia de tal direito (Fernandes, 2007).
Diante do exposto, tem-se que o tema posto (aborto)
torna-se extremamente polêmico ao passo em que traz à tona justamente a
discussão jurídica combinada com o campo científico acerca de um assunto pouco amadurecido
sob o campo da aceitação social e possível omissão do poder público, por isso a
necessidade de sua judicialização. Nesse viés, segundo dados da PNAD Contínua
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2019, fato é que o Brasil
é um país majoritariamente feminino e, contrariamente a suposta ocupação das
mulheres em campos dominantes da sociedade, percebe-se a importância da
mobilização social originada pela ADPF 54 em favor desse grupo considerado minoria
by force (indivíduos pertencentes a grupos que necessitam do reconhecimento
de seus direitos como tal) (WUCHER, Gabi. op. cit., 2000, p. 50-51).
Além disso, a complexidade do tema discutido pela ADPF
54 permite uma análise sob os ideais do sociólogo Pierre Bourdieu graças à fragmentação
que o sociólogo faz a respeito de como as áreas da sociedade são compostas. Assim,
segundo ele, existem os chamados campos jurídico, econômico, cientifico, artístico
e político, os quais exercem o chamado poder simbólico, responsável por pautar
as relações sociais por meio de relações de autoridade (dominador contra
dominado) (BOURDIEU, Pierre., 1989). Nesse contexto, extrai-se da ideia de domínio
simbólico o chamado espaço dos possíveis, cujo preceito aqui é analisado sob a
perspectiva de que a intencionalidade dos operadores do direito – doravante representantes
do campo jurídico - em pleitear demandas sociais não é o que garantirá a aquiescência
dos demais campos que regem a sociedade.
Dessa maneira, o que se revela do conceito de domínio
simbólico é o fato de que a prerrogativa do domínio é o que torna o ser diferente
no âmbito concorrencial (aqui utiliza-se o termo “concorrencial” no sentido de
acesso a direitos materialmente garantidos) e, nesse sentido, a depender da posição
que o ser ocupa, tem-se a promoção dos seus interesses e a imposição de suas posições
ideológicas (BOURDIEU, Pierre, 1989, p.11). Por isso, é possível estabelecer
uma relação de interdependência entre o aspecto de que a hierarquia, proposto pelo
conceito de domínio simbólico, rege o espaço dos possíveis quanto ao fato de
garantir ou não o direito a plena aceitação dos demais campos da sociedade.
Diante do supracitado, conclui-se de maneira sucinta que a ADPF 54 pode ser caracterizada, segundo os ideais de Bourdieu, como um meio
necessário para que as mulheres pudessem pleitear um direito sob o âmbito do
campo jurídico que pela sua condição de minoria encontrou-se denegado pelos
outros campos da sociedade descritos pelo sociólogo.
Michel Vieira Pereira da Silva
1° ano Noturno
WUCHER, Gabi. Minorias: Proteção em prol da
democracia. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000, p. 50-51)
FERNANDES, Maíra Costa. 2007. “Interrupção de gravidez de feto anencefálico: uma análise constitucional”. In: D. Sarmento & F. Piovesan (orgs.), Nos limites da vida: aborto, clonagem humana, eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos Rio de Janeiro: Lumen Juris. pp. 111-158.
BOURDIEU, Pierre. “A força do direito: elementos para uma sociologia do campo jurídico”. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.
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