‘’[...]
Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em
carruagens, serem levantadas sobre valas e ter o melhor lugar onde quer que
estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre
poças de lama, ou me deu qualquer “melhor lugar”! E não sou eu uma mulher?
Olhem para mim!
Olhem para meus braços! Arei a terra, plantei, juntei a colheita
nos celeiros, e nenhum homem podia se igualar a mim! E não sou eu uma mulher?
Eu podia trabalhar tanto e comer tanto quanto um homem – quando eu tinha o que
comer – e suportar o chicote também! E não sou eu uma mulher? Eu pari treze
filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu chorei
meu luto de mãe, ninguém, a não ser Jesus, me ouviu! E não sou eu uma mulher? [...]’’
A partir desse discurso, pode-se, também, constatar a diferença existente no tratamento de pessoas negras e brancas dentro do contexto da época daquela sociedade. Entretanto, essa diferença ainda é presente no cotidiano de sociedades que sofrem com o racismo estrutural e institucional, como acontece no Brasil.
Nas tirinhas acima, nota-se
que Camilo têm atitudes diferentes das de Armandinho, pois aquele está
habituado a sofrer e a ver questionamentos e repressões por parte da polícia
para com a população negra; diferentemente de Armandinho, que não sofre com essas
questões por ser uma criança branca. Deste modo, o fato de Camilo estar pronto
para lidar com determinadas situações implica que houve uma experiência anterior,
a qual, quando vista sob o ponto de vista do pensamento de Francis Bacon, fez
com que a observação do comportamento da polícia quando se trata da população
negra tenha levado Camilo a concluir que precisa temer aquela instituição e
estar sempre preparado para que não sofra quaisquer tipos de violência.
Essa é uma demonstração de
como o racismo está contido nas instituições, mesmo naquelas, como a polícia, que,
teoricamente, são voltadas para a proteção da comunidade. A partir disso,
entende-se que, tanto na sociedade quanto nas instituições presentes nela, não
há um profundo questionamento sobre as questões étnico-raciais que levam o
sistema a enxergar a população negra como ‘’inimiga do Estado’’. Ou seja, a
perseguição sistemática contra essa minoria social não é posta em dúvida, não
havendo questionamentos por parte das próprias instituições para que cheguem a
uma conclusão racional de que os estereótipos de infratores da lei estão
intimamente relacionados ao racismo fortemente presente e velado até os dias
atuais. Sendo assim, o método pensado pelo racionalista René Descartes é
colocado de lado, pois não há interesse partindo desse sistema de refazer-se
racionalmente e de repensar as próprias estruturas. Assim, voltando ao pensamento
de Francis Bacon, pode-se concluir que essa falta de interesse se dá pelo que
Bacon intitula ‘’ídolos do teatro’’, que são limitações resultantes da crença
cega em um dogma político ou uma ideologia. Em suma, ídolos do teatro, nesse
caso, são as ideologias carregadas de racismo que são perpetuadas por quase toda
a sociedade e suas instituições, e, essas ideologias são acreditadas por grande
parte desse meio social, fazendo com que não haja interesse em repensar o
sistema, uma vez que acreditam estar atuando de uma forma correta e verdadeira. Para Bacon, só a observação empírica
pode nos levar ao conhecimento, e, para ele, deve-se usar esse conhecimento para
transformar e melhorar o mundo. Ao voltar ao discurso de Sojourner Truth e ao
entender a motivação de Alexandre Beck para a confecção daqueles cartuns, depreende-se
que ambos foram proferidos, respectivamente, após uma experiência vivida e uma
observação das coisas, que se tornaram conhecimentos, foram repassados (mesmo
que de formas distintas) e atingiram outras pessoas. Ainda que, isolados, não tenham
causado transformações profundas, ambos fazem parte desse processo de melhoramento
do mundo quando se pensa no impacto pessoal que o discurso ou as tirinhas possam causar, ou seja, podem ser o ponto de partida para que muitas pessoas iniciem o processo de questionamento e reflexão acerca de questões importantes de serem repensadas.
Anielly Schiavinato Leite
Direito noturno
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