A construção da sociedade brasileira contemporânea se pauta
no princípio da isonomia. Foram necessários muitos séculos para que esse ideal
se concretizasse, e ainda assim, muitos negros ainda sofrem com a realidade na
qual o preconceito racial é latente.
No início da formação da sociedade brasileira, os negros
eram vistos como seres “sujos” e inferiores, e por muito tempo, eles foram
subjugados e postos em condições sub-humanas. A conquista da liberdade física
só ocorreu no final do século XIX, com a promulgação da Lei Áurea, porém, não
houve auxílio do governo e aquela sociedade com um ideal já estruturado não
ofereceria emprego a ex-escravos, sendo assim, a população negra continuou
aprisionada ao racismo.
Além disso, a reforma urbana que visava a “adequação” da
cidade do Rio de Janeiro para os imigrantes europeus fez com que a população
negra fosse realocada para a periferia. Em situação de vulnerabilidade
econômica, muitos se impuseram a contribuir com a violência urbana,
aprofundando ainda mais o ideal marginalizado do negro.
Isso foi se arrastando através das gerações, sendo visto
como algo comum, até que no século XX, com o avanço no sistema de comunicação,
figuras de representatividade começaram a surgir e a darem voz ao início do
processo de luta pela igualdade. Um dos maiores progressos do Brasil em relação
a isso foi o artigo 5° da Constituição Federal de 1988 onde declara que todos
são iguais perante a lei.
A luta pela igualdade social continua sendo travada, pois o
trabalho da mídia de reproduzir as notícias que marginalizam a população negra
é constante, e somada ao treinamento da segurança pública, o racismo se difunde
ainda mais na sociedade. A forma como a visão do negro foi construída é
explicada pelas teses debatidas pelos filósofos René Descartes e Francis Bacon
acerca da razão e da experiência na interpretação do mundo, e o entendimento da
raiz da questão é o gatilho para mudanças efetivas.
Muitas obras contemporâneas expõem e questionam a conduta retrógrada
da sociedade. O autor Alexandre Beck retrata, em duas tiras de Armandinho,
situações cotidianas em que o racismo está presente.
Na linha de pensamento de Descartes, todo o ser humano, em
sua essência, possui razão, porém, o caminho pelo qual direcionamos nosso
pensamento é diferente, ou seja, relacionando com a primeira tira, a atitude do
policial em relação à Camilo é irracional, pois o tratamento para com os dois
garotos deveria ser equivalente. E na segunda tira, Camilo seguiu por um
caminho também irracional, levado pela suposição – advinda da experiência – do
que o policial poderia interpretar ao vê-lo correndo até a colega.
Porém, pelo empirismo Baconiano, existe aquilo que o
filósofo nomeia de ídolos (falsas percepções do mundo). Isso é exemplificado
nas tiras, onde pode-se interpretar que, ao pedir a nota fiscal, a construção
do pensamento do policial foi influenciada pelos “ídolos do foro” – influência
da associação dos indivíduos –, e ao mostrar a nota fiscal na primeira tira e
evitar a corrida até a colega na segunda, Camilo demonstra a atuação dos
“ídolos da caverna”, que são aqueles que se vinculam à formação e educação do
indivíduo, pois crescendo nessa sociedade que marginaliza a cor de sua pele, o
garoto consegue ter uma imagem do pensamento do policial.
Além disso, a tese de Bacon da necessidade da razão com a
experimentação também é presente na tira, pois Camilo já tinha conhecimento
prévio das consequências da interpretação do agente, enquanto Armandinho não
tinha uma visão dessa realidade, e já dizia Aristóteles, filósofo da Grécia
Antiga, que "nada
está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos”.
Desta forma, é possível concluir que a tese de Descartes
pode auxiliar no combate ao preconceito racial, porém a convivência em
sociedade e o desenvolvimento da mesma exige algo além do racionalismo, pois o
uso apenas da razão torna as ações e o mundo insensíveis. Com o empirismo de
Bacon é possível acreditar que, um dia, será surreal imaginar que uma criança,
muito antes dela se descobrir, já possui a noção das maldades que terá de
enfrentar por simplesmente dispor de mais melanina do que outros indivíduos.
Daiana Li Zhao
1º ano - Direito Matutino
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