Do comportamento condicionado à criticidade do pensamento
À luz das considerações de Descartes e de Bacon, a aquisição de conhecimento é oriunda da experimentação para o segundo, enquanto a razão pode ser alcançada a partir de um exame crítico e apurado da realidade circundante para o primeiro. No que tange à realidade, ela se perfaz a partir de construções que fazemos por intermédio de nossa interpretação quando descrevemos o estilo de vida de um povo; a realidade espelha a sua cultura. Esta “consiste no que seja que alguém tem de saber ou acreditar a fim de agir de uma forma aceita pelos seus membros” (GEERTZ, 2008, p.21). Desse modo, para não ser reprovado ou excluído por um grupo, o indivíduo pode reproduzir um comportamento nem sempre positivo ou ético, pois está condicionado pelo entorno, o qual inibe a sua criticidade. Com efeito, suas ações tornam-se automáticas e retratam um certo senso comum.
Posto isso, ao se olhar para a sociedade brasileira, percebe-se que esta é resultante de uma amálgama de culturas, como a europeia, a africana e indígena, em que há preponderância da primeira em relação às demais. Dito de outra maneira, a sociedade brasileira herdou o pensar, a tradição europeia em alguns pontos quanto à supervalorização de um povo em detrimento do restante ou a supremacia de um modo de ver e interpretar a realidade do branco em oposição ao restante, subjugando-o.
Um clássico exemplo dessa dominação são os usos linguísticos que fazemos em nosso dia a dia e que, sem perceber, reproduzimos toda uma herança ideológica, imbuída em palavras ou expressões de teor racista, a saber: "denegrir", "judiar", "a situação ficou preta", "hoje é dia de branco", "serviço de nego". Elas expressam, em razão de sua carga cultural, uma visão preconceituosa e excludente. Muitas vezes, estão presentes no palavreado cotidiano da dona de casa, do pai de família, do patrão conservador, ou seja, presentes nos mais diversos setores componentes do tecido social.
É necessária uma análise crítica no sentido de refletir sobre a continuidade de tais hábitos sedimentados na sociedade, objetivando efetivar uma transformação por intermédio do questionamento e da problematização tanto das posturas quanto da realidade em si, a fim de se obter a verdade por um viés racional, ainda que isso implique a proscrição do indivíduo no interior do seu grupo.
Vale dizer que a reprodução de um conduta discriminatória, no que concerne aos usos das palavras na interações diárias, é um modo significativo de cultivar e perpetuar os Ídolos da Caverna, como aponta Bacon, visto que estes nos impedem de alcançar o conhecimento real, despojando este de uma conotação etnocêntrica supremacista e hierarquizante no tocante àquilo que se refere a atribuir um julgamento de valor às culturas.
Referências bibliográficas
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 1989.
Luciana Molina Longati, Turma XXXIV, Direito - Noturno.
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