Dor
Seguindo seu caminho ia Javi. Com
uma passada alta admirava em si mesmo o quão belo é ser. O ser em sua
existência, em suas várias formas de expressar, mas o ser preso, claro, no seu
próprio cogito. No passeio se depara,
em uma loja, com uma televisão ligada em um discurso do Grande Irmão Disto
Descartes, da linha sucessória do racionalista revolucionário que dera início
ao Império da Razão. Desde que René Descartes, junto a Francis Bacon, havia
exposto suas ideias, tornaram-se diarcas de um império que viria a ser uma
monarquia com o golpe cartesiano por uma discussão em que Bacon falara que
haviam eles se tornado a incorporação dos próprios ídolos. Mas voltemos ao
nosso jovem Javi fitando o discurso de Disto Descartes. “Cogito ergo sum”, iniciara Disto num discurso que prolongou-se em
racionalidades gloriosas acerca do ser, de como a ciência aproximava o homem à
Deus e, “como o homem cada vez mais se tornava o próprio Deus.” ressaltava
Disto, “digo-vos ainda...”, Javi iria ao êxtase não fosse a repentina
interrupção causada pelo encerramento de expediente na loja, que carregou
consigo toda a ciência profética idolatrável, possibilitando um furtivo
vislumbre do Eu, nas imagens as quais se encarregaram de entreter Javi: seu
próprio reflexo iluminado por teimosos fios de luz que fugiam da ordem das
lâmpadas no poste. “Eu sou”, pensa, e por pensar nota que realmente é: e chega
a máxima racional cartesiana. “Mas sempre fui?”, estava ai então o caos que
trouxera aquele inocente reflexo: nunca precisou pensar na sua existência, não era
necessário gastar tempo com contemplações uma vez que a urgência da atualidade
tornava muito mais confortável trabalhar.
Gasta, então, alguns minutos ali,
fitando-se: Como era belo! Cada traço de sua silhueta fora pensado por uma
complexa equação cartesiana que o tornara perfeito para o específico e o geral,
é o que escutara quando criança. Todavia, começa a notar imperfeições em seu
físico que, logo, passam para sua personalidade e, de súbito, a beleza não está
mais ali. Parou seu devaneio para limpar as lágrimas e quando reabre os olhos
não se vê mais na tela. Readquirindo a razão volve para seu caminho racional, uma
ultima tentativa de vislumbre na tela e vê o intragável: um indigente tirando
suspiros de um violino. “Como ousa?” indignou-se Javi com ele “como pode, ao
menos tocar em uma ferramenta da glorificação?”, ao que responde-o “como não
ousar? Se é o que ainda me segura nessa existência.” diz o indigente à Javi,
que continuaria a discução não fosse a chegada do ônibus que arranca o andarilho
da vida do jovem deixando toda dúvida gerada naquele parto ilustrado.
Seguindo seu caminho vai Javi em
questionamentos e contemplações com intermitentes repreensões sobre o quão
danosas à Sociedade científica eram as dúvidas. Desvencilha da costumeira retidão
para o lar e dá-se onde só o irracional o levaria: a queda d’água que levava o
nome e o monumento de René Descartes. Deparando seu reflexo no bronze que
esculpia a perfeição cartesiana, comete o crime de, mais uma vez, contemplar-se
a si mesmo. “Penso logo existo”, sussurrava para seu “eu refletido”. Sentia
pela primeira vez a brutalidade do resultado daquele pensar. Mas a inquietação
que o indigente presenteara-o fazia aquela dor ainda mais insuportável: o que
estaria o segurando nessa existência? Segue em direção da Catarata de
Descartes, essa pequena cachoeira que carrega consigo a ironia do Império: “a
cegueira da razão” riu ele da própria desgraça. E pega uma pedra no chão, e debuta
a olhar para trás, e não vê nada além do gigante René Descartes de bronze, no
qual Javi deposita sua esperança ao jogar a derradeira pedra. Dessa vez Davi
não venceria Golias, essa era a realidade. E torna a olhar para a queda da
Catarata e, no auge de sua irracionalidade bem pensada, finda seu sofrimento ao
juntar seu sangue com a água. Ao que lembra Javi, havia se esquecido de tomar
as pílulas anti-realidade.
Vinícius Henrique O. Borges, 1º Ano Direito (Noturno), UNESP FRANCA
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