Superestimando a razão
humana, Descartes inaugurou um pensamento cientificista que, ao mesmo tempo que
assola os homens na contemporaneidade, é ainda muito partilhado por eles. Trata-se da difusão da ideologia do
mundo-máquina, metaforizada por um relógio, a partir da qual passamos a encarar
todos os seres vivos e coisas como peças soltas de um sistema, ignorando suas
peculiaridades , necessidades e importâncias. Um exemplo atual e perceptível dessa
visão é o desenvolvimento da Medicina que, cada vez mais avançada e
tecnológica, materializou a possibilidade de “corações artificiais” para
aqueles que têm problemas cardíacos, sem, no entanto, preconizar mudanças
efetivas no estilo de vida das pessoas que pudessem prevenir tais remediações
extremistas.
É exatamente essa
concepção individualista e pragmática da vida que o filme “O Ponto de Mutação”
tenta combater ou pelo menos questionar. Na obra, há o político - que opera sem
hesitar conforme os preceitos cartesianos – e a cientista que, apesar da
profissão, é adepta a uma forma mais orgânica de posicionamento dos homens
diante do mundo, o que gera uma interessante reflexão. Segundo a personagem
feminina, é urgente que haja uma “mudança de percepção” nas pessoas que ela mesma
adquiriu a partir de decepções causadas pela ciência utilizada de modo
inadequado, como a tecnologia da radioatividade aplicada nas bombas atômicas.
Tal mudança aconteceria a partir do momento que abandonássemos o pensamento
mecânico de Descartes para adotar uma nova visão de mundo essencialmente integrado
e coeso.
Esse mundo, também chamado
de ecológico, é baseado na Teoria dos Sistemas Vivos (sistemas sociais e ecossistemas),
no qual haveria um real entendimento dos seres como parte de um todo que se
mantém, se renova e se transcende, abandonando a ótica patriarcal, newtoniana e
cartesiana de “fragmentação” do mundo em prol da visão holística em que todos
os seres estão interligados. Dessa forma, é destaque também que os sistemas
estão - assim como afirmou Heráclito – em contínua mudança, mas sem alteração
em seus padrões de organização, o que faz com que a verdadeira dinâmica
evolutiva ocorra não pela adaptação, e sim pela criatividade.
Assim sendo, é novamente
questionável a lógica inatista e racionalista de Descartes, que limita o
conhecimento aos âmbitos da razão. Afinal, se as criações e inovações são fundamentais
para a evolução, é primordial que se aplique os conhecimentos obtidos pela
experiência, conforme afirmava Bacon, opositor de Descartes, na obtenção dessas
mudanças. Com isso, diante das conseqüências vistas nos “corações artificiais”
e nas crianças que morrem de inanição para que seus Governos paguem suas
dívidas econômicas ( exemplo citado no filme), ter-se-ia a obrigatoriedade de
aplicar de fato uma nova lógica – tanto na ciência, quanto na política – que fosse
mais harmônica, e não apenas pautada nos mecanismos do hábito.
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