O materialismo histórico desenvolvido por Marx e Engels, principalmente na célebre obra "A Ideologia Alemã" traz como uma dos pontos basilares a análise de que o capitalismo necessitou destruir os laços pré-capitalistas que inundavam não só o modo de produção feudal mas também as formas pelas quais a cultura do homem do medievo se reproduzia. Para tal faina, a modernidade (isso vai estar presente em "tudo que é sólido se desmancha no ar") realizou a cruzada que é típica de um processo revolucionário que foi a de transformar radicalmente o homem de sua época.
Transformar este homem todavia, não é entender que da noite para o dia, o homem (ou mulher) de meia idade dormia mercantil, católico e indolente e acordava protestante, empreendedor e burguês. A transformação dos meios culturais de reprodução da realidade (que interferem objetivamente nos meios sociais de produção) é todavia, um reboque sem pressa temporal nem direção exata do processo de transformação dos meios de produção.
A máquina a vapor não produziu de imediato a necessidade do homem de se locomover de trem para a infelicidade dos cavalos e dos jegues. Da mesma forma, a modernização e mercantilização dos processos jurídicos não produziu de imediato na sociedade moderna a substituição das antigas relações feudais de contrato pelas modernas e burguesas demandas e acordos.
Nesse âmbito, Weber acerta ao encaminhar (e não acerta por que é brilhante, no caso, mas por que é perspicaz e observador) que o capitalismo ainda tinha muitos contratos e acordos a impor às necessidades do homem moderno. Essa cultura moderna de judicialização da vida passa por bônus econômicos e reprodução do sistema na super-estrutura ideológica do capital.
Isso é claro, distinto e evidente. Weber, todavia, comete pontualmente um equívoco e uma incoerência sobre esta leitura (e como eu não gosto dele vou ser mesquinho o suficiente para transformar isso em um objeto de crítica). Após a tomada de consciência e explanação dessa análise de conjuntura, até certo porto factível e observável, Weber ao se dirigir ao Estado e suas obrigações diante do funcionalismo público observa que a as relações de aquisição e desprendimento de mão de obra assalariada (o que hoje seria o concurso público e derivados) não se dá através de um "acordo" ou "contrato", mas sim derivando, "por bons motivos jurídicos" da soberania e portanto do dever-ser intrínseco do Estado.
O deslize passaria despercebido se não fosse a legitimação de juízo "por bons motivos jurídicos"... Ora bolas, quais bons motivos para este Estado e seu funcionalismo são jurídicos? Esquece o Weber nesse ponto, de relembrar de onde nasce esse Estado, e por quais motivos é nele confiado algumas funções "intrínsecas". Esquece o por que da argumentação de que estas seriam funções intrínsecas, e também o por que de um novo Estado (agora moderno) ter em si uma forma de relação contratual que só existe na sua efêmera existência.
Ora, não há nada de "atributo essencial do Estado" o que há é uma classe, um projeto político para o Estado, sendo contemplado sob a máscara do "intrínseco", "essencial", "natural"... O que há por trás dessa situação nada mais é o que Weber não conseguiu enxergar: um "acordo". Todavia, nem todos os acordos modernos precisam (e seria estranho se assim o fosse) ser sob a égide do acordo entre profissionais livres e liberais, nada mais poderoso para consolidar poder de uma classe ascendente do que impor ao Estado uma forma de relação que é típica da sua prática revolucionária. O que Weber chamou de intrínseco nada mais é do que a Revolução Burguesa desfilando para dentro da avenida principal da história moderna: O ESTADO.
O Weber, todavia, foi incapaz de perceber que esse era o intuito de legitimação lógica da burguesia: fazer crer que aquilo que o Estado tem como hábito, não é novo e burguês (e portanto também efêmero como a sociedade de classes) mas é supostamente natural de sua organização, e portanto imutável.
Doce lógica da burguesia revolucionária, doce engano weberiano.
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