Total de visualizações de página (desde out/2009)

domingo, 8 de março de 2020

Poder e saber: a ciência entre a modernidade e a pós-modernidade


         É indubitável o contexto de retrocesso vigente na sociedade pós-moderna no que tange à ciência: ao passo que filósofos do século 17 como o francês René Descartes e o britânico Francis Bacon postulavam fundamentos necessários para a construção do pensamento científico tal como este é conhecido, presencia-se, na atualidade, a ascensão de movimentos que questionam a confiabilidade expressada pela ciência e seus instrumentos. Posto esse cenário, torna-se vital a busca pela origem dessas indagações que colocam em risco o avanço da produção de conhecimento. Encontra-se, então, o diálogo exercido entre o saber e o poder – de tal modo que se compreende a estrutura do obscurantismo intelectual contemporâneo sob a perspectiva de que a nossa razão motriz é a busca pelo controle do meio.
            Paralelamente ao terceiro aforismo de Francis Bacon em “Novum Organum”, que afirmava que “Ciência e poder do homem coincidem”, Michel Foucault, em sua obra “Vigiar e Punir”, de 1975, diz que “O poder produz saber (...), não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder”. Sob esse viés, é notável que a produção do conhecimento científico na atualidade volta-se à consolidação da estrutura social de poder e opressão. Isso é decorrente do fato de que a ciência cria custos e demanda investimentos, o que a torna refém daqueles que podem pagar por ela. A exemplo de tal condição, pode-se mencionar a indústria farmacêutica, cuja ciência, necessária para as condições de saúde humana, é comercializada em prol do rendimento de lucros à uma conjuntura econômica capitalista. Ademais, situa-se em uma condição semelhante de rendição a indústria bélica – para qual a ciência atua em favorecimento da destruição através de embates armados e abastece entidades militares em conflitos geopolíticos, favorecendo aqueles grupos que podem financiá-la.
           Diante o cenário supramencionado, cabe ressaltar a maneira com a qual o distanciamento entre a Academia e a grande parte da população colabora na solidificação dos movimentos de anticientificismo. Seja devido à linguagem rebuscada ou por uma dificuldade de acesso à compressão da produção científica, é indubitável que, na modernidade, a ciência está cada vez mais restrita em uma bolha. Enquanto a sociedade apenas se depara com as conclusões dos experimentos e não com os processos e as pesquisas utilizadas para que se alcançasse tal veredito, torna-se popular o questionamento à metodologia e aos instrumentos aplicados. Inflamados pela rapidez da velocidade das informações nas mídias digitais, coletivos contrários à ciência como conhecida passam a ganhar popularidade justamente por dialogarem de maneira horizontal com a população que não está inserida no meio científico. Portanto, embora as constatações dos grupos anticientíficos sejam falaciosas, é relevante que essas ideias não somente sejam desconstruídas, mas também que a origem dessa linha de raciocínio seja avaliada e revertida – reduzindo a distância entre a ciência e o corpo social.
            Assim, entende-se que, embora a discussão no século 17 fosse a construção de um método científico eficaz e confiável, é necessário, no século 21, o debate sobre como mantê-lo, aprimorá-lo e democratizá-lo. Manter o conhecimento restrito a poucos e formulá-lo à luz do interesse do topo da pirâmide social é um comportamento nocivo à própria vitalidade do conhecimento científico, pois torna-o passível da dúvida e do questionamento por parte dos demais. Com efeito, embates como o travado por Bacon e Descartes - considerados pais da ciência moderna - em defesa da racionalidade na produção do conhecimento emergem na sociedade contemporânea e tornam-se cada vez mais atemporais - uma vez que a proteção à gnose deve ser contínua e, sobretudo, efetiva.

Giovanna Spineli de Paiva - Noturno (1º ano)

Um comentário: