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domingo, 8 de março de 2020

(Des)informação como sinônimo de conhecimento na era da pós-verdade



Em 2018, o discurso de que havia uma “hegemonia cultural esquerdista” a ser derrotada no país ganhou força, culminando na eleição - antes impensável - do representante dessa máxima como Presidente da República. A crença de que as forças políticas de esquerda do país estavam moldando o pensamento de jovens nas escolas e universidades e impondo determinados estilos de vida à população se fixou como verdade absoluta incontestável e se difundiu - muito graças ao advento de redes sociais como o WhatsApp -, intensificando o fenômeno das fake news.
Nesse sentido, grande parte dos brasileiros foi levada a acreditar na chamada dominação esquerdista e no combate que deveria ser travado contra ela, mesmo que muitos dos fatos alegados fossem sequer comprováveis na realidade. Tal situação evidencia uma forte característica relacionada à primazia da pós-verdade, situação na qual os fatos objetivos têm menos influência do que os apelos às emoções e às crenças pessoais. Assim, neste momento, parecemos estar inseridos em um contexto no qual a verdade sobre os fatos não mais importa, dando-se relevância somente às opiniões individuais de cada um, que, de certo modo, não precisam ser mais fundamentadas, sob uma ótica distorcida de liberdade democrática. É como se cada um só fosse capaz de acreditar naquilo que permeia seus pensamentos, se tornando inapto a olhar a realidade do “outro”.
No entanto, como vivemos em uma época em que se dispara informações de qualquer tipo e a todo momento, nos canais midiáticos e nas redes sociais, isso acaba ensejando na consolidação de um senso comum reprodutor dessas noções recebidas, o que seria chamado, por Francis Bacon em sua obra “Novo Organum” (1620), de antecipações. Tais ideias, por soarem mais familiares, penetram o intelecto com maior facilidade, tanto graças às diferenças de impressão, de educação e da natureza própria de cada um (ídolos da caverna), quanto devido às interações pessoais e sociais que evidenciam o poder do discurso - imposto de maneira imprópria - sobre a formação do entendimento de mundo das pessoas (ídolos do foro). O conceito de ídolos, na concepção baconiana, corresponde a falsas noções que obstruem e perturbam o acesso da verdade.
Se essas informações, contudo, fossem sempre checadas e analisadas, de acordo com o que é racional e pode ser comprovado pela experiência, estar-se-ia frente à interpretação dessas informações, processo que seria capaz de construir conhecimento como atividade pública e cumulativa, tal como René Descartes propôs em seu escrito “Discurso do Método” (1637). Do exposto, infere-se que a proposição dos dois supramencionados autores é a de que a ciência, na modernidade, não pode mais se pautar no senso comum, ou seja, é preciso romper com a filosofia tradicional, a qual não tem compromisso com uma transformação de mundo. Entretanto, o que fazer quando o senso comum e simplista mascara-se de visão “antissistema”, tal como tem acontecido na contemporaneidade, sendo que, na verdade, não passa de um discurso mantenedor da ordem e do poder das classes dominantes disfarçado de novidade? Compreender esse fenômeno me parece ser um grande desafio da era pós-moderna, em que prevalece a pós-verdade.

Fabiana Gil de Pádua

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