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domingo, 8 de março de 2020

Bacon, Descartes e o infeliz panorama político nacional


Nada mais interessante do que estabelecer paralelos e relacionar teses de aguda adesão internacional com realidades puramente nacionais. Instintivamente e enquanto imerso num breve lapso criativo, me proponho a tal.
 O ensaísta e filósofo inglês Francis Bacon, considerado o fundador da corrente do empirismo, apresenta em seu livro Novum Organum o que ele chamou de teoria dos ídolos. Esses ídolos seriam ilusões cultivadas e incentivadas dentro de determinados grupos, seitas e até mesmo na própria mente e que teriam, por si só, a capacidade de isolar o indivíduo em um lodo de preconceitos que o impediria de conhecer a verdadeira realidade ao seu redor. Bacon parece, a meu ver, descrever com precisão comportamentos cravados no cenário nacional, vindos de todos os cantos do diagrama de orientação partidária. Poderíamos adicionar a sua linha de pensamento, como exemplo, os “ídolos do sindicato”, concepções equivocadas e reacionárias aventadas dentro de círculos de esquerda sobre a validade e eficiência de abordagens econômicas e sociais no Brasil, como a necessidade do imposto sindical e a negação da emergência de revisões em critérios previdenciários. Igualmente, do outro lado do ringue, os anedóticos “ídolos da caserna”, impulsionados por disparos automáticos em redes sociais e por camisetas verde-amarelas da CBF, nutrem de indignação um diferenciado setor da sociedade brasileira, e os faz temer a perda de empregos enquanto os induz à conivência com a diminuição de direitos trabalhistas, em uma claríssima contradição. Ambas as alegorias dão exemplos sobre como certos ídolos contemporâneos se manifestam no Brasil e tem sucesso no que diz respeito a despir os pobres cidadãos de sua capacidade racional de se orientar por percepções sensíveis e lógicas.
René Descartes, filósofo e matemático francês, é um dos pensadores mais lembrados da corrente racionalista. Em seu livro, O Discurso do Método, discorre sobre temas metafísicos e defende, contrariamente a Bacon, a tese de que o homem não pode alcançar a verdade pura através de seus sentidos e sim por meio de questionamentos eternos, a dita dúvida cética. O filósofo não poderia imaginar, contudo, que suas ideias poderiam ser parodiadas com tanta maestria, anos mais tarde, em terra de coqueiros e coronéis. Armados de suas bandeiras e palavras de ordem, grupos de militantes e coletivos políticos mobilizam grandes porções de simpatizantes para manifestações em prol de causas variadas. Muito embora tais aglomerações de indignados costumem contar com pessoas engajadas, a grande maioria delas, para nossa tristeza, apenas porta reivindicações sem nunca questionar a credulidade delas, o que contribui diretamente para a grave diminuição de racionalidade e pensamento lógico dentro desses movimentos. O questionamento cético, além de ser um instrumento de constrangimento público de charlatões, é a substância do debate ponderado e produtivo, essencial ao prosseguimento de uma política nacional que preze pelo povo e não por partidos e organizações enganosas.
Os queridíssimos Bacon e Descartes, contribuíram para a modelagem do pensamento racional e lógico por meio de métodos diferenciados, mas fulcrais para o entendimento da realidade. Infelizmente, gostaria de encaixar o Brasil e parcela de nosso povo em exemplos exímios no que se refere à aplicação exemplar da dúvida cética e em como um povo fugiu de preconceitos e superstições por meio da desestruturação de ídolos. Fui, contudo, impedido pela realidade.

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