Nada mais interessante do que estabelecer
paralelos e relacionar teses de aguda adesão internacional com realidades
puramente nacionais. Instintivamente e enquanto imerso num breve lapso criativo,
me proponho a tal.
O ensaísta e filósofo inglês Francis Bacon,
considerado o fundador da corrente do empirismo, apresenta em seu livro Novum
Organum o que ele chamou de teoria dos ídolos. Esses ídolos seriam ilusões cultivadas
e incentivadas dentro de determinados grupos, seitas e até mesmo na própria
mente e que teriam, por si só, a capacidade de isolar o indivíduo em um lodo de
preconceitos que o impediria de conhecer a verdadeira realidade ao seu redor. Bacon
parece, a meu ver, descrever com precisão comportamentos cravados no cenário
nacional, vindos de todos os cantos do diagrama de orientação partidária. Poderíamos
adicionar a sua linha de pensamento, como exemplo, os “ídolos do sindicato”, concepções
equivocadas e reacionárias aventadas dentro de círculos de esquerda sobre a
validade e eficiência de abordagens econômicas e sociais no Brasil, como a
necessidade do imposto sindical e a negação da emergência de revisões em
critérios previdenciários. Igualmente, do outro lado do ringue, os anedóticos “ídolos
da caserna”, impulsionados por disparos automáticos em redes sociais e por camisetas
verde-amarelas da CBF, nutrem de indignação um diferenciado setor da sociedade
brasileira, e os faz temer a perda de empregos enquanto os induz à conivência com
a diminuição de direitos trabalhistas, em uma claríssima contradição. Ambas as
alegorias dão exemplos sobre como certos ídolos contemporâneos se manifestam no
Brasil e tem sucesso no que diz respeito a despir os pobres cidadãos de sua capacidade
racional de se orientar por percepções sensíveis e lógicas.
René Descartes, filósofo e matemático
francês, é um dos pensadores mais lembrados da corrente racionalista. Em seu
livro, O Discurso do Método, discorre sobre temas metafísicos e defende,
contrariamente a Bacon, a tese de que o homem não pode alcançar a verdade pura
através de seus sentidos e sim por meio de questionamentos eternos, a dita
dúvida cética. O filósofo não poderia imaginar, contudo, que suas ideias
poderiam ser parodiadas com tanta maestria, anos mais tarde, em terra de
coqueiros e coronéis. Armados de suas bandeiras e palavras de ordem, grupos de
militantes e coletivos políticos mobilizam grandes porções de simpatizantes para
manifestações em prol de causas variadas. Muito embora tais aglomerações de
indignados costumem contar com pessoas engajadas, a grande maioria delas, para
nossa tristeza, apenas porta reivindicações sem nunca questionar a credulidade
delas, o que contribui diretamente para a grave diminuição de racionalidade e
pensamento lógico dentro desses movimentos. O questionamento cético, além de
ser um instrumento de constrangimento público de charlatões, é a substância do
debate ponderado e produtivo, essencial ao prosseguimento de uma política nacional
que preze pelo povo e não por partidos e organizações enganosas.
Os queridíssimos Bacon e
Descartes, contribuíram para a modelagem do pensamento racional e lógico por
meio de métodos diferenciados, mas fulcrais para o entendimento da realidade. Infelizmente,
gostaria de encaixar o Brasil e parcela de nosso povo em exemplos exímios no
que se refere à aplicação exemplar da dúvida cética e em como um povo fugiu de preconceitos
e superstições por meio da desestruturação de ídolos. Fui, contudo, impedido
pela realidade.
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