08 de março de 2020.
Querido diário,
Hoje é o Dia Internacional das Mulheres. Com imponentes letras maiúsculas, simbolizando a oficialidade dessa data, no anseio de escancarar ao globo a extrema preocupação com o “outro”. Interessante, não? Matam-nos e, então, entregam-nos um dia. E rosas.
Para mim, mais interessante ainda foi que essa comemoração se deu pelo complexo engajamento político das mulheres operárias após a Revolução Industrial, as quais ganhavam menos por exaustivas jornadas de trabalho. Como hoje. Como a minha mãe. E eu. Contudo, a grande indagação do falo é: “quando será o dia do homem?” (não me obrigue a colocar maiúsculas). E ele ri, entregando-me aquela mesma abominável flor de todos os anos, tocando minha cintura de forma que nunca consenti. “Quando será o meu dia?”, eu ainda me questiono.
Por mais chocante e deplorável que isso me pareça, para esse indivíduo, é completamente normal e aceitável. Não só para ele, mas para o restante dos homens de sua família, os quais o encorajam e o parabenizam. “Sempre foi assim”, todos esses me diriam. E acreditariam, plenamente, estar com razão.
Entretanto, amado diário, como o próprio Descartes afirma, o bom senso é algo tão bem distribuído neste plano que até mesmo os mais incansáveis em outros aspectos não desejam buscá-lo mais do que já possuem, por pensarem, justamente, estar repletos dessa qualidade. Ainda que seja, apenas, uma quantidade ínfima. Acho que é dessa forma que a desgraça se concretiza.
Há, além disso, outro ideal do mesmo filósofo que esses grandes “cidadãos de bem”, dotados de alta racionalidade, parecem não conhecer: suspeitar dos juízos de seus amigos quando são a seu favor. Utilizar do método da dúvida para evoluir gradativamente no seu conhecimento não é uma vergonha, mas uma virtude, e me traz grande incômodo essa acomodação. Infelizmente, vejo, por parte desses exímios questionadores de datas, que não há grande desejo de estudar o livro do mundo e observar que nele, muitas vezes, há mais conteúdo do que nos escritos de homens letrados. Se até Descartes pôde separar um tempo para aprender com outros fora de sua “bolha” e notar que a verdade está além de suas convicções individuais, como um trabalhador meritocrático da empresa do próprio pai não consegue o mesmo?
Além de tudo, não consigo entrar nas redes sociais hoje. Vejo o dono do toque indesejado compartilhar sobre como se deve respeitar as mulheres, uma vez que poderiam ser suas mães. Ou porque serão mães. Gostaria de compreender essa lógica. Não é tão culto? Como não teria lido Francis Bacon e o que esse pensa sobre antecipação? O sujeito se baseia num fato familiar - provavelmente no de que possui uma mãe - e toma isso como um fato universal: TODAS AS MULHERES ALCANÇARÃO A MATERNIDADE. Ou pior! Na ideia de que as mulheres só devem possuir direitos porque gerarão vida (como sua própria mãe). Honestamente, não sei o que Bacon acha a respeito da emancipação feminina, mas sei que ele demonstra métodos melhores para chegar numa ideia, fugindo de concepções prévias ou generalizações mentirosas.
Como se não me bastasse tudo isso para me trazer descontentamento nessa data, volto a refletir sobre a chocante, revoltante, estarrecedora máxima do “sempre foi assim”. Uma frase que perpetua qualquer tipo de opressão existente no planeta. Como é possível, no século XXI, alguém ser tão resistente a abandonar seus ídolos? Os da caverna, por exemplo! Uma educação machista e misógina não pode impedir a busca pela evolução de alguém pelo resto da vida. Se estiver preso, continuamente, em percepções falsas frente ao mundo que o cerca e mobilizado pelo hábito, qual razão o irá mover? Tenho sérias preocupações.
Enfim, creio que já deu para entender minha angústia.
Até amanhã,
Rappi.
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