Em
2011, foi julgada um Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo
Tribunal Federal (STF) a respeito do reconhecimento da união homoafetiva como
entidade familiar. A ADI teve como relator o Ministro Ayres Britto, e como
resultado a mudança no entendimento de entidade familiar segundo o art. 1723 do
Código Civil (CC) e o § 3º, art.
226 da Constituição Federal (CF).
É
papel do STF ser guardião da Constituição, e assim decidir se leis promulgadas
são inconstitucionais ou não. Os citados artigo do CC e parágrafo do artigo da
CF são claros ao estabelecerem, ambos com as mesmas palavras, que “é
reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher”.
É
claro que as pessoas homoafetivas precisam ter os mesmos direitos que as
pessoas heteroafetivas, devendo a união entre pessoas de qualquer orientação
sexual ser reconhecida como entidade familiar. Para isso, seria necessária a
atividade do legislativo. O ministro Gilmar Mendes, durante as declarações dos
votos, fez o comentário de que “o texto, em si mesmo, nessa linha, não é
excludente - pelo menos essa foi minha primeira pré-compreensão – da
possibilidade de se reconhecer, mas não com base no texto, nem com base na
norma constitucional, mas com base em outros princípios, a união estável entre
as pessoas do mesmo sexo. Mas eu não diria que isso decorre do texto legal e
nem que está nele albergada alguma proibição, mas tão somente - por isso que me
parece e pelo menos esse é o meu juízo inicial e, obviamente, provisório - que
o único argumento forte a justificar aqui a interpretação confirme à
Constituição, no caso, é o fato de o dispositivo do Código Civil estar sendo
invocado para impossibilitar o reconhecimento. Do contrário, nós estaríamos a
fazer um tipo de interpretação conforme muito extravagante.”
Ingeborg Maus, em seu texto “Judiciário como
superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã”
afirma que “quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta
instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle
social - controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do
Estado em uma forma de organização política democrática”. Os ministros, segundo
o próprio Gilmar Mendes, fizeram interpretações muito extravagantes. Isto
mostra como o STF se autorreferenciou e ascendeu a ele mesmo a condição de mais
alta instância moral da sociedade. É exatamente esta crítica que Bourdieu faz a
Luhmann: o Direito não é e nem pode ser autopoiético, portanto o guardiões da
Constituição não poderiam fazer interpretações tão extravagantes e nem se
autorreferenciarem. Não deveriam assumir o papel do Legislativo, pois assim ferem
a própria Constituição por tomarem a função de outro poder, e não manter-se à
própria função: escapando, dessa forma, de qualquer tipo de controle social.
Além
disso, para Antoine Garapon, “um direito feito pelo juiz inverte a carga
normativa. Constatando a insegurança e a complexidade do nosso mundo, ela reclama
um raciocínio antecipatório”. Quando o STF toma a decisão com a argumentação
que tomou, invertendo a carga normativa da CF e do CC, ele estabelece a
insegurança jurídica no sistema brasileiro.
Logo,
o reconhecimento da união estável homoafetiva foi um avanço para a sociedade
brasileira. No entanto, essa mudança deveria ter sido realizada pelo Poder
Legislativo e não pelo STF por meio de uma ADI.
Isabel de O. Antonio – matutino
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