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domingo, 15 de setembro de 2019

Ambivalência entre a judicialização da política e a morosidade do Legislativo no universo jurídico


               O Supremo Tribunal Federal, durante o julgamento da ADI 4277 e da ADPF 132, reconheceu, por unanimidade, a união estável para casais homossexuais. Tal decisão representou um considerável avanço para a implementação da isonomia entre casais com diferentes orientações sexuais, além de significar uma ação importante no sentido de evitar a discriminação odiosa e salientar a dignidade da pessoa humana. Essa atuação do judiciário brasileiro possibilita uma análise dicotômica entre o que se considera como  funções legítimas de um tribunal de instância superior, utilizando, principalmente, os autores: Antoine Garapon e Ingeborg Maus.
            A ministra Carmém Lúcia argumentou que o parágrafo 3°. do artigo 226 da C.F apresenta um rol exemplificativo e não taxativo do que se considera como família, destacando também que a dignidade da pessoa humana pressupõe a sua liberdade. A votação favorável da  ministra, que culminou com o seu posicionamento, foi seguido pela totalidade da corte e demonstra como no mundo contemporâneo, segundo Garapon, a lei geral é incapaz de prever as dificuldades que podem surgir. Por essa razão, o sistema jurídico acaba delegando ao juiz a função de “conselheiro prudente” e “ministro da equidade”.  Já no capítulo “A magistratura do Sujeito”, Garapon irá explicar por que o individualismo e a liberdade, proporcionados pela Democracia, vão fomentar uma maior intervenção do judiciário na vida particular de cada indivíduo (fato evidenciado pela ADI 4277). Nas palavras do autor: “O preço do individualismo é uma crescente tutelarização do sujeito”, isto é, uma judicialização das relações sociais.
            Uma questão que pode ser colocada, a partir da análise do julgado, é a seguinte: até que ponto o aspecto axiológico das decisões  traz insegurança hermenêutica? Tanto os ministros Lewandowski como Gilmar Mendes reconheceram a literalidade do artigo 226, afirmando que a Constituição Federal reconhece a união estável para pessoas de sexo distinto, intenção prevista pela Assembleia Constituinte e, portanto, a união estável de pessoas do mesmo sexo seria, segundo Lewandowski, um quarto tipo de família não previsto na Carta Magna de 1988. A atitude do judiciário de ir além do texto positivado pode significar uma ultrapassagem de seus limites estabelecidos pelo Mecanismo de Freios e Contrapesos, previsto no artigo 2°. da Constituição. Nesse entendimento, vale trazer uma frase do filósofo Confúcio para a discussão: “Leve um punhado de terra todos os dias e logo terás uma montanha”. Essa metáfora se aplica no sentido de que se passarmos a legitimar esses tipos de atitude do judiciário, logo elas poderão servir de base para a instalação de um regime de exceção. Esta hipótese, longe de ser uma reductio ad absurdum, é considerada por Maus em seu artigo. De acordo com a autora: “como demonstrado de modo eloquente pelo regime nazista, o terror político aberto encontra no direito formal um obstáculo” e “o juiz-rei do povo de Adolf Hitler deve libertar-se da escravidão da literalidade do direito positivado”. A produção de decisões além das normas constitucionais é baseada em uma moral superior (conceito abstrato) e há um grande problema em tal situação, segundo Ingeborg Maus, pois quando a justiça ascende a mais alta instância moral da sociedade, deixa de estar sujeita a qualquer mecanismo de controle social, ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização político-democrática. Nessa linha de raciocínio, cabe destacar que nenhum magistrado é o hipotético Juiz-Hércules teorizado por Dworkin, um ser abstrato com plena capacidade de integrar de forma perfeita regras, princípios e motivações pré-jurídicas. Os juízes reais são suscetíveis a interpretações mais subjetivas do que o desejado, o que pode trazer a já citada questão da insegurança hermenêutica.
            Sem dúvida o reconhecimento da união estável homoafetiva trouxe melhorias crucias para a nossa sociedade plural. Entretanto, como já advertido por Maus, é necessário sempre olhar com desconfiança e senso crítico para os posicionamentos da Suprema Corte que de algum modo excedam as suas funções, com o intuito de justamente evitar uma possível fragilização do regime democrático vigente.

Nicolas Candido Chiarelli do Nascimento
Período Matutino
Turma XXXVI

           

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