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domingo, 15 de setembro de 2019

Judicialização: trunfo que preocupa

Segundo definição de Pilar Domingo, pesquisadora, a judicialização da política consiste em um fenômeno que acarreta, como consequência, aumentação de decisões judiciais acerca de processos e conflitos de ordem política. Para mais, define Domingo, ele, o fenômeno, incita a sociedade civil engajada a pleitear em juízo o atendimento de suas demandas e interesses sociais. Nesse sentido, Antoine Garapon, jurista, argumenta que a judicialização é um fenômeno político-social que coage o juiz “[…] a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada.” (Garapon, p. 139) com o intuito de “[…] apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno.” (Ibidem, p. 139). 

Diante disso, é inferível que a judicialização é a resposta do Judiciário à questões da sociedade concernentes à morosidade na efetivação de direitos fundamentais, ao desleixo na implementação de políticas sociais, à omissão na regulação de assuntos relativos a escolhas morais etc. Esta não efetivação decorre, indubitavelmente, do vazio político e da inércia geral, e esses, por sua vez, são derivações da dificuldade dos partidos políticos em articularem os interesses dos “novos sujeitos sociais” na política convencional.

E é esta crise de representatividade do Poder Legislativo o que coordena o deslocamento da agenda do país do Legislativo para o Judiciário. Exemplo incontestável disso é o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277: ao julgarem a ADI, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceram a união estável homoafetiva a partir de uma interpretação conforme o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”, tomando eles a decisão de excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar do artigo 1.723 do Código Civil:


Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.



É exemplo, pois, como citaram maior parte dos Ministros, propostas de modificações legais tramitaram no Legislativo desde a década de 90, mas, como dito pela ministra Ellen Gracie, é o STF que, no que se refere a pessoa homoafetiva, “[…] restitui o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura a sua dignidade, afirma a sua identidade e restaura a sua liberdade.”

Com isso, é observável o que Garapon define como “magistratura do sujeito”: “um novo campo para a justiça” (Ibidem, p. 150), onde a “função tutelar” é  mais solicitada do que sua função arbitral; e em que consiste a “função tutelar”? Na substituição da autoridade faltosa — Legislativo — pelo juiz, este que vem a  intervir nos assuntos particulares dos cidadãos.

Contudo, apesar de elogioso o reconhecimento da união estável homoafetiva, este protagonismo político do STF tem provocado críticas. Não obstante a proteção dos direitos fundamentais, há críticas em relação à adição de novos conteúdos normativos, como os arrazoados pelo ministro Gilmar Mendes, relativos às ADIs 1.105 e 1.127; estaria o STF extrapolando suas funções em uma democracia?

Sobre isso, Ingeborg Maus, socióloga, declara, enquanto refletindo a tradição da jurisprudência constitucional alemã que “[…] romper com os limites de qualquer ‘competência’ constitucional” (Maus, p. 191) desvinculou o Tribunal Federal Constitucional alemão (TFC) de quaisquer regras constitucionais; “Assim, a ‘competência’ do TFC — como de qualquer outro órgão de controle da constitucionalidade — não deriva mais da própria Constituição, colocando-se em primeiro plano.” (Ibidem, p. 191).

Desse modo, o TFC, para Maus, “[…] ascende […] à condição de mais alta instância moral da sociedade” (Ibidem, p. 185) e “passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social — controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição […] em uma forma de organização política democrática.” (Ibidem, p. 185). Destarte, são legítimas a preocupação e as críticas a respeito das consequências da atuação do STF, tendo em conta a potencial concretização do cenário alemã, descrito por Maus, no Brasil.

Thayná Roque de Miranda - Matutino

BIBLIOGRAFIA

DOMINGO, Pilar. (2004). Judicialization of politics or politicization of the judiciary: Recent trends in Latin America. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/248950353_Judicialization_of_Politics_or_Politicization_of_the_Judiciary_Recent_Trends_in_Latin_America>. Acesso em: 14 de setembro, 2019.
GARAPON, Antoine. O Juiz e a Democracia: O Guardião das Promessas. Rio de Janeiro: Revan, 1999.
MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã. Novos Estudos Cebrap, São Paulo.

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