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domingo, 15 de setembro de 2019

A judicialização como um sintoma de uma democracia doente


A judicialização, processo pelo qual se busca, por meio de ações judiciais, a efetivação de direitos e serviços que deveriam ser responsabilidade dos poderes executivo e legislativo; se mostra uma tendência em constante expansão, especialmente no século XXI. Atos como a permissão para a antecipação terapêutica do parto em caso de fetos anencéfalos, consagração de cotas raciais e, mais recentemente, criminalização da homofobia são apenas alguns exemplos.

Esse processo, segundo autores como Antoine Garapon, pode ser encarado como uma mudança de postura do poder judiciário, que assume um caráter mais paternalista em relação à sociedade: a função tutelar se torna mais importante do que a arbitral. Com a expansão gradativa da democracia, busca-se minimizar, simultaneamente, as desigualdades de poder ainda existente entre as diversas categorias que diferenciam os seres humanos (sejam elas poder econômico, gênero, raça ou até mesmo idade), ou seja, há um processo que busca e, cada vez mais, efetiva a extinção os chamados “magistrados naturais” (indivíduos capazes de exercer seu poder sobre outros pelos costumes, pela tradição). Questões éticas, conflitos causados pelo distanciamento característico da modernidade, e até mesmo decisões envolvendo o meio ambiente (exemplo de Ingeborg Maus) são decididos por membros do poder judiciário; contribuindo para a manutenção do homem naquilo que Kant chamava de menoridade.

O direito discutido na ADI nº 4277 DF, antes conhecida como ADPF nº 123 RJ, envolve a união homoafetiva, considerada como entidade familiar ao fim do julgamento. Essa decisão de baseou no argumento de “conferir interpretação conforme à Constituição Federal para o art. 1.723 do Código Civil de 2002 (Art. 1.723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família). Apesar da clareza do artigo, os magistrados entenderam-no como inconstitucional por violar o Princípio da Igualdade, entre outros, disposto no art. 5º, CF (Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza); e por entenderem que a união homoafetiva ocorria com o mesmo objetivo das heterossexuais: formação uma de família; sendo essa considerada algo que envolve, acima de tudo, afetividade e respeito entre os seus membros.

De modo que uma das funções do direito, principalmente o positivo, é antecipar o máximo possível de eventualidades para garantir certa segurança jurídica; e levando em conta que, no caso exposto, a legislação se mostra ultrapassada em relação aos avanços ocorridos na sociedade brasileira e a relativa inércia, tanto do poder legislativo quanto do executivo, para proporem alguma mudança legal que conflagrasse taxativamente o direito ao casamento a pares homoafetivos; o poder judiciário tomou a frente nessa questão.

Podemos dizer que o processo de judicialização não é bom, ideal, uma vez que não é função do poder judiciário legislar; mas também não pode ser considerado como mau, pois se torna necessário devido à lentidão, e de certa forma, o receio do Congresso Nacional em propor e por em ação as mudanças que são necessárias, podendo fazer uma referência a Bourdieu e seu “espaço do possível”. Os magistrados se apresentam como salvadores de uma democracia que apresenta sinais claros de desgaste (“a justiça se vê intimada a tomar decisões em uma democracia preocupada e desencantada”, segundo Garapon), demonstrado, por exemplo, pela Crise de Representatividade presente, principalmente, na segunda década do século XXI.

Julia Parreira Duarte Garcia - Direito Matutino

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