Foi
julgado em 2011, no Supremo Tribunal Federal, ação direta de inconstitucionalidade
No 4.277, que versava sobre o reconhecimento da união homoafetiva
como instituto jurídico. O art. 1.723 do Código Civil diz que é reconhecida
como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher. Ademais, o
reconhecimento do direito à preferência sexual recai no princípio da dignidade
humana, do direito à autoestima, do direito à busca da felicidade, e da
autonomia da vontade, sendo a união homoafetiva como entidade familiar um
importante passo jurídico não expressamente abarcado nos textos normativos. Por
unanimidade, apesar de algumas declarações em alguns votos acerca da função do
próprio judiciário em tal decisão, a Corte decidiu pela procedência do pedido.
Pode-se traçar um paralelo entre o julgado
e o tema tratado pelos autores Antoine Garapon e Ingeborg Maus, a respeito da
judicialização da política. Este é um fenômeno político-social, e que vem
acontecendo desde os anos 90. O “protagonismo” dos tribunais não é simplesmente
uma vontade desses de se tornarem um “superergo” da sociedade, como diz Maus. O
sistema de justiça é provocado, quando as políticas públicas não se efetivam e
não se movimentam devidamente, não suprindo as demandas e anseios da sociedade,
como o direito do acesso à saúde, afetividade paterna, dispor livremente de sua
identidade de gênero, etc. Assim, os indivíduos se libertam de seus “magistrados
naturais”, sendo aqueles considerados os “primeiros”: a família, a igreja e a
escola, como assim define Garapon. Mas em contrapartida, essa maior autonomia
do indivíduo o faz ficar à mercê do controle do juiz e da tutela do Estado.
Garapon também trata da “magistratura do
sujeito”, sendo a ideia de que cada sujeito reivindica para si um tipo de
tutela não contemplada na justiça, como se a lei geral fosse incapaz de
apreender a diversidade de valores e realidades, tornando-se legislador de si
mesmo. Assim, o poder do juiz seria a de interiorização da norma e de se
colocar no lugar da autoridade faltosa -senadores e deputados federais- para
intervir nas particularidades dos cidadãos, e não apenas se manter como um
poder corretor. Contudo, o Legislativo não “foge” da resolução de temas
importantes como esse, sendo muitas vezes uma ação por inação, pois está focando
em outros assuntos de também importância e relevância social. No entanto, uma
articulação entre o judiciário e o legislativo é muito difícil, e por isso o
magistrado procura pensar o futuro do Direito e acaba por intervir e decidir
sobre determinadas questões morais, o que às vezes extrapola suas próprias
competências e seu devido campo de ação. Não tem como imaginar um judiciário neutro, afirma
Maus, pois a dinâmica social se modifica o tempo todo, mas é necessário
verificar se esse protagonismo não se revela uma falsa democracia; um
“paraleviatã”.
Por fim, é de suma importância a reflexão
sobre os limites de atuação dos três poderes, para que não seja recorrente a
exorbitação de um sobre o outro. Além disso, a sociedade precisa amadurecer e
colocar temas como esse em discussão; ela deve ser ouvida e se colocar
politicamente, para que o legislativo crie modificações, os problemas sejam
gradativamente resolvidos e as lacunas preenchidas. Essa é uma construção
histórica, e tanto o Direito quanto os Tribunais contribuem para com isso. No entanto, apesar de casos como a ADI No4.277
demonstrarem como essa interpretação não limitante do próprio texto
constitucional e seus princípios pode acarretar avanços normativos e mudanças
sociais extremamente positivas e necessárias, é também preciso lembrar que a
judicialização pode vir a ser algo danoso à democracia, uma vez que não há um
controle pré-estabelecido do judiciário.
Raquel
Colózio Zanardi – 1o ano Direito matutino
Nenhum comentário:
Postar um comentário