Em
uma sociedade democrática, é defendida uma ideia de que nela todos tem ampla
liberdade e, sobretudo, igualdade para fazer uso dessa liberdade. Todavia, Antoine
Garrapon discorre em sua obra “O juiz e a Democracia” sobre como essa igualdade
não é real, existindo grupos que possuem mais direitos que outros dentro de um
mesmo grupo social. Assim, negligenciados pelo poder executivo na dimensão dos
direitos concedido por ele a toda a população, esses grupos minoritário têm que
buscar no Poder Judiciário o exercício de direitos essenciais à dignidade
humana, dessa forma, dão vida ao processo de judicialização do Direito.
No
presente, esse processo é cada vez mais vivenciado dentro de diversas
instâncias dos tribunais, com maior destaque ao casos levados para a apreciação
do Supremo Tribunal Federal (STF), para onde são levadas demandas de grupos que
se veem à margem do Direito nacional, situação motivada por fatores por muitas
vezes políticos, como ressalta Ingeborg Maus em “Judiciário como superego da
sociedade”. Desse modo, à última instância da justiça brasileira foi levado o
caso acerca da união estável homoafetiva, na forma da ADI 4.277, a qual foi
considerada como constitucional e um direito de toda a população homoafetiva de
forma unânime pelos Ministros. Ao analisarmos tal situação sob o ponto de vista
de Garrapon, podemos ver que houve a tutela da sociedade pelo judiciário, uma
vez que esta não viu outra senão esta alternativa para que pudesse ser feita
universalidade de direitos, no caso, o de obter a união estável para todos os indivíduos,
sem distinção de gênero ou orientação sexual.
Ainda,
cabe lembrar que o texto do Art.1723º do Código Civil, que trata das
possibilidades de casamento, descreve casal como “união entre homem e mulher”,
mas que o Ministro Ayres Brito, relator do caso, defende em seu voto como algo
a ser interpretado na forma mais ampla possível, de forma a garantir o preceito
constitucional de não discriminação e igualdade de direitos. Com isso, o
ministro agiu de acordo com o que Garrapon entende como o papel fundamental de
um jurista: o de utilizar-se de seus atributos intelectuais a fim de
interpretar o Direito com o intuito de fazer a universalização dos direitos ser
vigente dentro da sociedade. Por fim, o relator ainda chama a atenção para a
necessidade do raciocínio antecipatório em um caso de concessão de direitos
como esse, isto é, não se trata apenas de conceder a união estável aos casais
homoafetivos, se trata também dos outros direitos de família, como adoção, ou
sucessórios, como a herança, para que essa igualdade seja uma igualdade de fato
e não apenas formal.
Contudo,
essa judicialização não é visto como benéfica à sociedade por alguns estudiosos,
como é o caso de Maus, que entende que esse processo apenas infantiliza os
indivíduos, fazendo com que não mais ajam por si só, mas sim dependam sempre
das sentenças dos juízes, que agem como os tutores dessa sociedade, um
verdadeiro superego. Por isso, a autora entende que nessa atitude, o judiciário
tornando-se autorreferente e se distanciando dos dizeres constitucionais, há um
risco à democracia, pois os juízes passam a arbitrar sobre toda a vida em
sociedade, podendo atender a interesses individuais, alertando, ainda, para a
volta dos regimes autocráticos.
Porém,
esse processo só passa a existir no momento em que parcelas da sociedade são negligenciadas
pelo Estado e, por isso, uma vez que a Carta Magna brasileira tem como um de
seus princípios fundamentais a igualdade sem distinção entre todos os cidadãos,
não há porque questiona-lo, pois ele só faz com que ele se concretize. Portanto,
ao tutelar a sociedade no que tange aos direitos fundamentais dos indivíduos,
os juízes apenas ocupam o lugar dos juízes naturais, como os pais, a Igreja,
como destaca Maus, tornando-se os tutores legais, com a vantagem de se basearem
em um ordenamento comum para todos, fazendo realizar-se a universalização do
Direito que tanto defende Antoine Garrapon. Dessa forma, coisas simples como casar-se,
formar uma família e ter a liberdade de expressar sua forma de amar em público
torna-se a realidade de todo e qualquer cidadão brasileiro e não apenas uma
possibilidade para aqueles que se enquadram em um padrão conservador
previamente definido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário