Em Maio de 2011, chegou ao Supremo Tribunal Federal uma
das mais importantes e marcantes Ações de Inconstitucionalidade, a ação número
4.277, a respeito do reconhecimento jurídico de uniões homoafetivas. Sob a
relatoria do ministro Ayres Britto, os votos foram unanimemente favoráveis ao
reconhecimento, além da participação de diversos amicus curiae para a conclusão da decisão.
Iniciando com o seguinte trecho do voto do ministro
Luiz Fux, muitos dos pontos se esclarecem: “Se o Direito e, sobretudo, a
Constituição, têm a sua eficácia condicionada pelos fatos concretos da vida,
não se configura possível que a interpretação faça deles tábula rasa”. Partindo
de tal raciocino, fica evidente que como já sabido, desde a antiguidade o
direito acompanha as transformações axiológicas, criando assim
legislações/normas para a disciplinação dos acontecimentos já postos.
Logo, tendo
em vista a reincidência do tema na contemporaneidade, com toda a pluralidade
presente, a busca para que a união estável homoafetiva fosse disciplinada
igualmente ás héteroafetivas é mais que um “grito”, tardio, diga-se de
passagem, para uma igualdade material, para a desconsideração do status weberiano, com princípios como:
igualdade, dignidade da pessoa humana, bem como, autonomia individual e
segurança jurídica.
Constitucionalmente previstos em conjunto ao Art.
226, parágrafo 3°, tais princípios devem ser interpretados de maneira
emancipatória, com a devida hermenêutica de suas proposições, uma vez que como
dito por Cappelletti, Garapon e o próprio ministro Barroso no processo, “juízes
não desempenham uma atividade puramente mecânica” de reproduzir leis, mas sim
devem atribuir sentido, preencher lacunas.
Então, eis que podemos compreender a reflexão acima
á luz de Antoine Garapon, principalmente quando ele trata a justiça como sendo
aquela que deve “apaziguar o molestar do individuo sofredor moderno”, que pode
ser compreendido como a chamada minoria, neste caso os casais homoafetivos em
busca de direitos básicos, para possuírem mais certezas e previsibilidades,
nada mais que a busca pelo direito “Sub
Judice”, o direito de ser quem são, com os devidos aparatos jurídicos
necessários.
Assim como a exposta na ADI em questão, existem inúmeras
lacunas. Assim, essa demanda democrática não suprida pelo Legislativo acaba
caindo no Poder Judiciário (é importante ressaltar que em relação a essa forte
atuação do judiciário atualmente, interpretando ideais do Barroso, é algo
necessário e não uma atuação dos juízes ao bel-prazer). O autor ainda diz que
tal fato se da pelo abandono das condutas expectáveis no mundo normativamente
idealizado, passando a analisar caso a caso proporcionalmente.
Desse modo, com a chamada por Habermas de “juridificação
da sociedade”, há uma maior necessidade da atuação de juízes para intervir nos
conflitos e prezar pela manutenção dos princípios e máximas constitucionais. Assim
chegamos aos conceitos: “Transformação do homem pela democracia” e “Magistratura
do sujeito” de Garapon, diretamente relacionados a isso, explicitando que agora
os indivíduos escapam de seus magistrados naturais e passam a ser tutelados
pelos estatais.
Eis a questão de Garapon acerca da “justiça se ver
intimada a tomar decisões" em meio a uma sociedade “preocupada e
desencantada”, aonde a questão de reafirmação da juridicidade das normas
fundamentais iriam além da perspectiva subjetiva, também orientando funções de
várias áreas, como a legislativa, administrativa e judiciária, sob a
interpretação do conceito de “mais-valia jurídica”, presente no voto do
ministro Fux, do autor José Carlos Vieira de Andrade, que nada mais é que “Estímulos
sociais para o judiciário expandir o seu próprio campo de ação” dito por Ingeborg
Maus.
Tendo como base esses princípios sociais provocando
o Judiciário, sob a perspectiva de Maus, é possível interpretar que se deve ter
cautela, pois a autora diz que “Quando a Justiça ascende, ela própria à condição
de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer
mecanismo de controle social”, necessário e ao qual toda instituição de Estado
deve se subordinar, para manter a estrutura democrática.
Por fim, em relação a ADI 4.277, mais do que
proporcional, a decisão a favor foi coerente e justa, pois interpretando o
artigo 1.723 do Código Civil juntamente á princípios constitucionais presentes no
inicio do texto, e como o mencionado pelo relator a respeito da “não
intervenção estatal na autonomia de constituição familiar”, não permitir tal
reconhecimento seria desconsiderar a hermenêutica, ignorar princípios constitucionais
básicos, e legitimar condutas preconceituosas, discriminatórias e
segregacionistas que impedem o desenvolvimento social.
Letícia E. de Matos
1° ano - Direito Matutino
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