Julgada em 2019, encontra -se na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n° 26, que versa sobre a criminalização da homofobia, um entendimento vinculante da suprema corte análogo àquele tido perante o racismo, tendo em vista, porém, os crimes direcionadas à comunidade LGBT. A proposta, há anos já reivindicada por demandas sociais, somente foi contemplada pelo Superior Tribunal Federal (STF) na segunda década do século XXI, momento em que o debate acerca dos direitos de grupos minoritários ganha expressão no âmbito brasileiro. Diante disso, considerando os grandes períodos de opressão a diversos indivíduos e a possibilidade de mobilização do Direito pelo povo desde a redemocratização, fenômeno corriqueiro já apontado pelo sociológico Michael McCann em países de democracia ainda não consolidada, um questionamento deve ser feito: quais são os agentes legítimos para operação do direito e qual o papel dos tribunais nesse processo?
Existe, no Brasil, uma evidente incompatibilidade entre as garantias dipostas no texto constituinte e as contribuições advindas do Poder Legislativo para a regulamentação das matérias contidas no referido documento. Nesse sentido, adotando como ponto de partida um país com extrema desigualdade social e preponderância representativa dos proprietários e das antigas e conservadoras oligarquias, somados a esses os setores religiosos milionários (sobretudo de matriz neopentecostal), o congresso brasileiro sempre representou um impedimento à efetivação dos direitos fundamentais. Dado esse contexto, inúmeros recortes da sociedade civil, na ausência de suas garantias, reivindicam as promessas afirmadas na Constituição e começam progressivamente, como definiu McCann, a mobilizar o direito em busca da realização de seus interesses e valores. Não obstante, o processo já citado chega ao STF não meramente como uma ADI, mas sim como uma ADO, ressaltando logo do início a negligência do Estado Brasileiro para com a devida proteção à violência direcionada a grupos em situação de vulnerabilidade.
Desse modo, visualizando uma conjuntura social de opressão que resulta na ameaça à liberdade e à existência de determinados indivíduos, a suprema corte é provocada a intervir por esses grupos. Porém, é possível fazer uma crítica em relação a quais agentes devem ser considerados legítimos ou não para a mobilização do direito. Um exemplo estrangeiro, porém igualmente válido, pode ser utilizado para análise: os desdobramentos políticos do colapso imigratório na Alemanha. Em 2013, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) é criado, desempenhando o papel mais expressivo no retrocesso de direitos fundamentais no país. Sobretudo a partir de 2015, quando uma crise humanitária se espalha pela Europa, a instituição foi uma das principais lideranças no embate à recepção de refugiados, o qual foi terminou com a ausência de grandes oposições do Judiciário à decisão de acolhimento dos estrangeiros proferida pela chanceler alemã Ângela Merkel. Nessa perspectiva, McCann afirma que a
falência e o enfraquecimento de entidades e autoridades políticas estão diretamente relacionados à potencialização dos tribunais, uma vez que alterando o ordenamento jurídico em seu favor, tais figuras mencionadas podem obter dos magistrados múltiplos benefícios. Assim, o caso alemão se concebe por uma nova ótica: a oponibilidade das cortes em reconhecer como legítimos de mobilização os grupos que representam a divergência à proteção dos direitos humanos.
Destarte, a diferença entre a mobilização do direito emanada por grupos que reivindicam as garantias básicas e os demais é excepcionalmente uma: a primazia da busca pela efetivação de direitos humanos. Assim, a postura a ser adotada pelo STF é a que todos os agentes que pleiteiam a mobilização do direito somente são legítimos e, por consequência, cabíveis de apreciação, se provocarem o tribunal em favor não apenas de seus interesses, mas em relação ao resguardo de princípios essenciais como a dignidade humana, o tratamento isonômico e a justiça social, a exemplo do Grupo gay da Bahia, movimento por trás da Amicus Curae na ADO n°26 e importante organização que promoveu, historicamente, a luta pelos direitos LGBT's no Brasil. Mais que resguardar os direitos fundamentais e impedir a ruptura democrática, é papel imprescindível do Poder Judiciário o reconhecimento dos agentes ilegítimos que tentam por todas as vias adentrar o âmbito jurídico e mobilizar o direito em prol de propostas excludentes e privilégios políticos, exercendo os tribunais, desse modo, a defesa do Estado Democrático de Direito.
Luiz Carlos Ribeiro Júnior - noturno.