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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A Coadjuvação dos Tribunais



   A laboração judiciária, ao congregar no âmago institucional, tanto o poder decisório, quanto as demandas populares, transcende o mero quesito jurídico-formal imposto pela burocracia incessante dos órgãos estatais, extrapola-se a simples “letra fria da lei” e passa a abarcar um universo plural, em que a – metaforicamente – recém-formada “via única” para efetivação e promoção de direitos suscita um espectro múltiplo de alterações e influências no corpo social.
   Diante da abrangência caleidoscópica da magistratura, Michael W. McCann estrutura o que poderia se conceber como a “coadjuvância” da atuação judicial. Nesse sentido, o protagonismo é transladado para os seus usuários, isto é, quem provoca os órgãos remetentes ao ordenamento jurídico, sob a expectativa de se concretizar as reivindicações expostas. A justificativa fundamental de tal processo reside em um verdadeiro ciclo retroalimentar, no qual o arbítrio judiciário não apenas depende da articulação populacional, como incute, a cada decisão, um amplo e inédito leque de possibilidades, passíveis de embasamento para a mobilização do Direito que, por sua vez, retornará aos tribunais. Trata-se, portanto, de um elemento intermediário às disputas políticas, imanentes à sociedade civil, um mecanismo próprio do aparelho estatal, responsável por deferir soluções legais aos conflitos estabelecidos.
   Isto posto, McCann interpreta o âmbito das sentenças judiciais como palco de remodulação constante das disposições simbólicas que permeiam o corpo social. Por conseguinte, sua óptica adere-se à análise proposta por Pierre Bourdieu. A reformulação simbólica instaura, em essência, a mutação cultural da sociedade, por interferir diretamente no seu funcionamento, seja no aspecto econômico, social, ou político, e, simultaneamente, a metamorfose estratégica das ações judiciais, em razão da nova hermenêutica concebida à lei. Nesse ínterim, o fenômeno acima constitui a disputa perpétua pelo poder simbólico, assente nos textos normativos – como na perspectiva bourdieana, capaz de reconfigurar o espaço dos possíveis vigente e, assim, introduzir uma espécie de sobrevida aos princípios basilares do regime democrático.
   Por fim, uma evidência empírica que corrobora para o arcabouço sociológico estruturado se trata da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 26, arguida pelo Partido Popular Socialista. A interposição da organização política, objetivando a tipificação da conduta homofóbica e transfóbica no conjunto criminal, não surge ao acaso, uma vez que tornou manifesta a síntese momentânea do movimento requisitório LGBTIQ+ por direitos políticos, sociais e individuais. À vista disso, ressalta-se que a arguição movida ao Supremo Tribunal Federal é fruto da adesão dos sinais emitidos pela entidade judiciária ao longo dos anos, tornando-se viável a composição de determinada faceta identitária e estratégica do quadrante social citado. Por outro lado, a adequação realizada pela suprema corte, enquadrando o comportamento-alvo sob a qualificação de “racismo social”, revela a intersecção entre as diversas correntes sociais e de mobilização do Direito, visto que a decisão proferida se utiliza do produto proveniente de movimento popular distinto, enaltecendo - inevitavelmente - o fator constitutivo e indireto da prática judicial.
(Caio Laprano - 1º ano - Noturno)

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