A
laboração judiciária, ao congregar no âmago institucional, tanto
o poder decisório, quanto as demandas populares, transcende o mero
quesito jurídico-formal imposto pela burocracia incessante dos
órgãos estatais, extrapola-se a simples “letra fria da lei” e
passa a abarcar um universo plural, em que a – metaforicamente –
recém-formada “via única” para efetivação e promoção de
direitos suscita um espectro múltiplo de alterações e influências
no corpo social.
Diante
da abrangência caleidoscópica da magistratura, Michael W. McCann
estrutura o que poderia se conceber como a “coadjuvância” da
atuação judicial. Nesse sentido, o protagonismo é transladado para
os seus usuários, isto é, quem provoca os órgãos remetentes ao
ordenamento jurídico, sob a expectativa de se concretizar as
reivindicações expostas. A justificativa fundamental de tal
processo reside em um verdadeiro ciclo retroalimentar, no qual o
arbítrio judiciário não apenas depende da articulação
populacional, como incute, a cada decisão, um amplo e inédito leque
de possibilidades, passíveis de embasamento para a mobilização do
Direito que, por sua vez, retornará aos tribunais. Trata-se,
portanto, de um elemento intermediário às disputas políticas,
imanentes à sociedade civil, um mecanismo próprio do aparelho
estatal, responsável por deferir soluções legais aos conflitos
estabelecidos.
Isto
posto, McCann interpreta o âmbito das sentenças judiciais como
palco de remodulação constante das disposições simbólicas que
permeiam o corpo social. Por conseguinte, sua óptica adere-se à
análise proposta por Pierre Bourdieu. A reformulação simbólica
instaura, em essência, a mutação cultural da sociedade, por
interferir diretamente no seu funcionamento, seja no aspecto
econômico, social, ou político, e, simultaneamente, a metamorfose
estratégica das ações judiciais, em razão da nova hermenêutica
concebida à lei. Nesse ínterim, o fenômeno acima constitui a
disputa perpétua pelo poder simbólico, assente nos textos
normativos – como na perspectiva bourdieana, capaz de reconfigurar
o espaço dos possíveis vigente e, assim, introduzir uma espécie de
sobrevida aos princípios basilares do regime democrático.
Por
fim, uma evidência empírica que corrobora para o arcabouço
sociológico estruturado se trata da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão 26, arguida pelo Partido Popular
Socialista. A interposição da organização política, objetivando
a tipificação da conduta homofóbica e transfóbica no conjunto
criminal, não surge ao acaso, uma vez que tornou manifesta a síntese
momentânea do movimento requisitório LGBTIQ+ por direitos
políticos, sociais e individuais. À vista disso, ressalta-se que a
arguição movida ao Supremo Tribunal Federal é fruto da adesão dos
sinais emitidos pela entidade judiciária ao longo dos anos,
tornando-se viável a composição de determinada faceta identitária
e estratégica do quadrante social citado. Por outro lado, a
adequação realizada pela suprema corte, enquadrando o
comportamento-alvo sob a qualificação de “racismo social”,
revela a intersecção entre as diversas correntes sociais e de
mobilização do Direito, visto que a decisão proferida se utiliza
do produto proveniente de movimento popular distinto, enaltecendo - inevitavelmente - o fator constitutivo e indireto da prática
judicial.
(Caio Laprano - 1º ano - Noturno)
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