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segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A dualidade na atuação do Judiciário: abuso de poder ou represália à mora legislativa?


A pauta da criminalização da homofobia chegou no Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de duas ações judiciais: um Mandado de Injunção (MI 4733) requerido em 2012 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros e Intersexos (ABGLT) e uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), solicitada pelo Partido Popular Socialista (PPS) em 2013. Nas ações, solicitam uma maior especificidade na Constituição Federal a respeito de práticas homo e transfóbicas, mormente em seu artigo 5°, visto que aborda a punição à “discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Por 8 votos a 3, a homofobia e a transfobia foram consideradas crimes, incluídas, para tanto, no crime de racismo previsto no artigo 20 da Lei 7.716/1989 e por 10 votos a 1 a mora do Congresso Nacional em legislar sobre tais crimes também foi reconhecida.

Assim, a discussão sobre a legitimidade e a eficácia dessa decisão do STF tornou-se uma grande pauta e de grande relevância nos diversos âmbitos do conhecimento, tendo em vista que foram postas em jogo a legitimidade do Judiciário em “criar” uma lei – nesse caso, ampliar um artigo de lei – e, como citado nos votos da imensa maioria do colegiado, a desatenção do Congresso Nacional e a irrelevância por ele dada aos temas de criminalização da LGBTfobia de modo geral.

Nesse sentido, mostram-se pertinentes os argumentos de ambos os lados: de certo modo, o Judiciário agindo como legislador quebra a divisão dos três poderes e, portanto, põe em xeque a segurança de uma democracia bem estruturada. Ao mesmo tempo, a ineficácia de um Legislativo que não cumpre sua função suficientemente leva à uma necessidade de atuação de um outro poder, a fim de que se cubram as lacunas e se traga um bem comum primordialmente objetivado.

McCann, por exemplo, afirma que os tribunais agem como catalisadores para a consolidação de direitos de grupos minoritários cujos interesses são ocultados e desconsiderados pelo governo, isto é, tornam-se um eficaz meio de tutela de direitos não resguardados pelas instituições que carregam essa função. Os tribunais, então, trazem visibilidade a esses assuntos e uma colossal probabilidade de chamar a atenção dos outros dois poderes, visto que uma pauta discutida pela Corte Suprema de um país traz bem mais impacto – no tocante à visibilidade – na ordem sociopolítica que uma pauta discutida em pequenos grupos de movimentos sociais. Em uma de suas afirmações, cita que “os tribunais são reativos, mas exercem poder, e suas escolhas são muito importantes para o funcionamento de um regime político. E seu poder é complexo, mais do que mera fiscalização. Em particular, nós devemos olhar para a relação produtiva que se estabelece entre os tribunais e a maior cultura cívica dos litigantes”.

Logo, é evidente que, embora isso ocasionalmente possa transformar-se em um abuso de poder e em uma materialização da imbricação de poderes – já conceituada e abordada por Montesquieu – a atuação do Poder Judiciário para a consolidação de direitos de grupos minoritários cuja notoriedade é inexistente ou ineficazmente presente nos outros dois poderes, essencialmente no Legislativo, é essencial e traz consequências, de um modo geral, agradáveis, seja no âmbito do direito, seja no âmbito social.



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