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domingo, 9 de junho de 2019

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas! Conduta expectável?

Para Max Weber, a ciência social deveria ter o caráter básico de explicar o mundo, e não necessariamente de transformá-lo, diferentemente do que pensava Marx, que em sua doutrina objetivava de forma mais veemente intervir em seu campo de estudo. Weber vê a Sociologia como uma ciência crítica, e não de transformação, analisando a ação social e tentando entender os valores que giram suas engrenagens. Não excluindo o aspecto econômico, Weber vai além e não limita sua análise apenas à este, ampliando o leque de aspectos sociais a serem estudados para além da esfera unicamente econômica e produtiva. Com seu individualismo metodológico, Weber estuda a sociedade em sua parte mais pormenorizada: o indivíduo. Deveremos, quando da tentativa da compreensão de alguma característica ou acontecimento social, reduzirmos os nossos focos e tentar compreender os valores que dão base àqueles indivíduos: daí a ideia de tentar explicar o grupo pelos seus indivíduos.
O Tipo Ideal weberiano seria o ponto de partida da análise sociológica, sendo a referência essencial na busca da compreensão social, podendo ser uma teoria, um senso comum, um tipo de indivíduo ou grupo social. Outro conceito interessante de ser abordado é o da conduta expectável, que seria aquilo que - num contexto cultural mais específico - se espera da conduta dos indivíduos em sociedade. É importante não deixar o campo da cultura amplamente aberto pois, como bem sabemos, o estranho para uns pode ser o rotineiro para outros. Acerca dessa variabilidade axiológica atrelada à cultura, vale-nos citar Montaigne, que diz que

cada qual considera bárbaro o que não pratica em sua terra.”
(MONTAIGNE, pp.101-6 apud SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 37).

É nesse sentido também que o autor se posiciona quanto aos valores do sociólogo: sabendo ser o sociólogo um indivíduo que também está inserido numa cultura específica com seus valores específicos, não se deve falar em “neutralidade axiológica”, porém tal bagagem de valores determinados não deve impedi-lo de analisar objetos de estudo com valores alheios. Nesse sentido também, Weber despreza a ideia de valores universais, admitindo de certo modo o caleidoscópio de culturas e valores que podem existir sem fazer sobre eles juízos de valor, considerando não obstante como utópica a ideia de “valores universais”.
Em diversos momentos da história a ideia de uma universalidade de valores não passou de mero instrumento capcioso de dominação social. Grande exemplo disso são os europeus, que ao desembarcarem no Brasil e pregarem a universalidade de seus valores cristãos e eurocêntricos subjugaram culturas que embora diferentes eram também riquíssimas de seus próprios valores, e assim o fizeram na malícia justamente da dominação e do controle político e social.
Voltando ao conceito de conduta expectável, podemos analisá-lo com uma referência artística e histórica, a música “Mulheres de Atenas”, do compositor Chico Buarque. 

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seu maridos, orgulho e raça de Atenas

Analisando alguns versos da música sob o prisma weberiano, depreendemos que - não muito diferentemente da nossa - na sociedade Ateniense esperava-se das mulheres uma conduta de submissão ao homem, ou seja, a mulher que não “vivesse para o seu marido” não estaria de acordo com a conduta expectável do tipo ideal “mulher ateniense”. Sendo esta sociedade uma sociedade machista, que era adepta da exclusão política e social das mulheres, há de se entender que a conduta expectável das mulheres seria justamente essa de submissão. Ainda da música, podemos analisar o tipo ideal“mulher ateniense” como incumbido também da reprodução, não tendo “gostos”, “vontades”, ou seja, vivendo unicamente em prol do homem, e temendo este.

Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito nem qualidade
Têm medo apenas

A ideia do termo “mirem-se no exemplo” está de certa forma atrelada à ideia da conduta expectável de um tipo social. No contexto da sociedade ateniense, a conduta da submissão feminina deveria ser tida como exemplo a ser seguido, assim como teoriza Weber quando da definição de que cultural e socialmente são imputados à determinados grupos - ainda que tacitamente - determinadas condutas a serem seguidas. Neste ínterim, a exclusão social e política das mulheres reflete culturalmente num machismo institucionalizado que acabam por determinar e prever um ideal de conduta a ser seguido pelos grupos oprimidos. Em uma sociedade assim, não se esperava que as mulheres questionassem sua submissão, mas sim que seguissem-na como exemplo.
Embora mal interpretado por, à priori, estar de modo imperativo dizendo que as mulheres atuais devem “mirar-se” na submissão do tipo ideal “mulher ateniense”, Chico na verdade o faz de forma a criticar e alertar, na atualidade, os perigos dessa submissão. Ao descrever a vida infeliz de submissão e subserviência dessas mulheres, Chico traz à tona um alerta à sociedade contemporânea e à suas mulheres, de como a conduta de submissão enraizada deve ser questionada, principalmente assim o fazendo ao descrever com antíteses uma vida de tristeza e opressão.

REFERÊNCIAS

MONTAIGNE. Os Canibais. Ensaios. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972.

SCHWARCZ, Lilia Moritz; STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

Adelino Mattos Marshal Neto, 1º Direito Matutino.




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