Segundo
Boaventura de Sousa Santos, na contemporaneidade, o direito e o sistema
judicial são utilizados para regulamentar e promover sistemas politicamente
democráticos, mas socialmente injustos. Com a tutela feita aos grupos de elite,
os 1% da população, o direito acaba atuando em uma perspectiva abissal, onde o
restante do contingente populacional, os 99%, vê suas garantias gradativamente
deixadas de lado.
Tal
fato se corrobora no fascismo social, um fenômeno caracterizado pela dominação
de um grupo social sobre o outro. Apoiando-se no fator de regulação do direito,
a sociedade se torna cada vez mais excludente e seletiva, atendendo os
interesses apenas daqueles que possuem destaque. No entanto, tal situação pode
ser alterada com a atuação dos movimentos sociais contra hegemônicos, que
buscam ocupar o direito com suas demandas, fazendo-o assumir seu caráter
emancipatório.
A
busca pelo acesso e distribuição igualitária da terra sempre foi um assunto
recorrente no Brasil. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
surgiu em 1984 e desde então vem lutando de maneira contra hegemônica, buscando
reconfigurar as relações de poder, estabelecer garantias e ocupar o direito com
suas demandas. Durante tantos anos de lutas e de estratégias para a realização
de uma reforma agrária, o movimento conseguiu alguns feitos importantes. Um
deles foi o caso da Fazenda Primavera, que foi entregue aos ocupantes depois da
tentativa de reintegração de posse.
Esse
feito só foi possível devido a mobilização do direito em uma perspectiva
reconfigurativa, como defende o sociólogo, uma vez que os manifestantes,
provenientes do grupo dominado, ocuparam o direito com suas pautas e demandas,
mudando a hegemonia e influência dos grupos no poder nas decisões jurídicas.
Dessa forma, pautando-se por elementos como a função social da propriedade e o
artigo 6º da Constituição Federal, que garante o direito à moradia, os
ocupantes permaneceram no lugar em que estavam.
Destarte,
a liminar favorável aos movimentos sociais demostrou que a perspectiva do
direito abissal pode ser modificada e que o ordenamento jurídico pode ser
ocupado pelas demandas dos movimentos contra hegemônicos se aplicados de uma maneira
reconfigurativa. No entanto, Boaventura, mesmo acreditando no potencial das
pressões sociais, defende que as mudanças só se realizarão de maneira efetiva
se uma reforma no sistema democrático acontecer, com o estabelecimento de uma
democracia real pautada na igualdade de fato em todas as esferas da vida
social.
Jéssica
Castor Modolo – Direito Matutino
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