O caso da ocupação da "Fazenda Primavera" por membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que perdurou de 1930 a 2000 e foi julgado em novembro de 2001 pelo TJRS, é facilmente entendido sob a luz do pensador Boaventura de Sousa Santos.
Boaventura discorre, em sua obra, sobre a democracia e o direito na atualidade, afirmando que ocorre, em nossa realidade, uma séria segregação entre opressores (que representariam uma parcela de 1% da população) e oprimidos (os 99% restantes). Dentro dessa visão, ele afirma que, refletindo tais relações de poder, o direito apresenta-se como configurativo. À perspectiva do uso como antecipadora de uma nova relação de poder é dado o nome direito prefigurativo. Por fim, tem-se o direito reconfigurativo, isto é, aquele que atua diretamente na tentativa de mudança (isto é, reconfiguração) de tal relação de forças, a qual seria almejada através de movimentos políticos e judiciais.
Dentro do contexto da Fazenda Primavera, vê-se na prática o direito reconfigurativo, quando os posseiros conseguem, contrariamente a outros casos semelhantes, a manutenção da posse da terra, um importante passo em direção à reforma agrária. Ao negar o pedido de reintegração de posse da Fazenda, os operadores do direito concretizaram uma vertente contra-hegemônica do direito, que atua em prol da parcela marginalizada e vulnerável da população, em detrimento do grupo dominante.
Com isso, percebe-se que, apesar de nos encontrarmos sob um ordenamento jurídico que defende, majoritariamente, os interesses da classe hegemônica, a decisão referente à Fazenda Primavera revela uma possibilidade alternativa de utilização do direito, a qual permite a emancipação das camadas desfavorecidas, ainda que a longo prazo.
Lucas de Araujo Ferreira Costa - Turma XXXV - Matutino
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