No desfecho
do profícuo ano de 2010, o sociólogo português, de egrégia importância na
Universidade de Coimbra, Boaventura de Sousa Santos, em seu artigo Os fascismos sociais discorreu acerca do
que ele considera o novo tipo de regime vigente na hodiernidade: o famigerado
fascismo social, caracterizado, precipuamente, pelo componente fundamental que
é a sistemática violação dos direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos
e que atinge, mormente, a parcela mais carente e desfavorecida da sociedade.
Sob um ponto
de vista histórico, essa violação de direitos se prova uma problemática
provecta e para efeito de corroboração é proveitoso perquirir acerca da mais
laboriosa questão social brasileira, a extraordinariamente desigual
distribuição de terras. Durante amplo fragmento da história nacional a partilha
dos territórios, em sua maioria extremamente férteis, foi de inegável e patente
dissemelhança. Essa discrepância teve início já com a vinda dos portugueses que
foram responsáveis por lotarem o País, convertendo-o em capitanias
hereditárias, comandadas pela alta nobreza europeia. Tal sistema censurável
durou quase trezentos anos, até a independência do Brasil.
A posteriori
foi criada a Lei das Terras, estabelecendo, pela primeira vez, a compra como o
único meio de possuir acesso à propriedade. Poucos anos após tal decreto, em
1888, ocorreu a abolição da escravatura, o que compôs um quadro alarmante. Os
escravos recém-libertos não tinham lugar nem para estabelecer residência nem
para labutar. O momento era, claramente, de uma completa ausência de política
habitacional, obrigando esses indivíduos a ocupar a terra e construir casas de
forma ilegal.
Foi somente
com a constituição Federal de 1988 que se consolidou à democratização do acesso
à terra e a priorização da função social, disposições asseguradas no Art, 5°,
inciso XXIII que, de forma assaz sucinta, favorecia os movimentos sociais na
medida em que se objetivava a erradicação da pobreza, da marginalização e das
desigualdades sociais e regionais.
Considerando
o alicerçamento de tal cenário, reputar-se acerca da função social da
propriedade foi de peremptória importância para o julgado da Fazendo Primavera –
SP – ocupada pelo MST – Movimento dos trabalhadores rurais sem-terra – no
prelúdio dos anos 2000, cujo veredicto final se deu a favor do movimento social
em questão, vetando a reintegração por parte dos proprietários do local.
Inserindo as
considerações de Boaventura de Sousa Santos, ao se voltar para uma factual
analise da determinação do supracitado julgado, pode-se concluir que neste caso,
singularmente, o direito agiu como instrumento da emancipação social, ao apoiar
e embasar a luta de uma minoria desfavorecida pelos direitos que lhe são
próprios e assegurados por lei.
Diante de um
notório enfraquecimento do chamado direito abissal, aquele que,
indubitavelmente, prevalece e é responsável pela manutenção das desigualdades e
do status quo dominante, em favor de
um Direito Reconfigurativo, entende-se que houve uma efetivação da busca pela
igualdade, transcendendo aquela meramente formal e conquistando, enfim, aquela
almejada material, que se manifesta apenas, e somente apenas, quando é factual,
no momento em que todos os indivíduos são capazes de possuir a mesma quantidade
de bens, de direitos e, porque não, o mesmo nível de felicidade.
Em suma, para efeito de conclusão,
cabe ressaltar a meritória significância do caso da Fazenda Primavera, que
comprovou o início de uma necessária mudança cuja característica primordial
seria a intolerância contra a manutenção das terras como mero privilégio social
de uma classe abastada e dominante frente a uma parcela demasiadamente maior de
dominados e desfavorecidos. Na hipótese do descumprimento dos princípios sociais
assegurados pela Carta Magna, provou-se que o direito, como defendia Boaventura
de Sousa Santos, interveio em favor dos necessitados, ajustando a aguda tensão
entre a regulação e a emancipação social.
Milene Fernandes Silva ( Direito/ Noturno/ Turma XXXV)
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