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segunda-feira, 20 de abril de 2020

O porquê do direito à vida sobressair ao direito de ir e vir.

  Acordei, tomei um café preto e, como de costume, fui até o calendário e assinalei um “X” na data de hoje: domingo, 19 de abril de 2020. Andei até a janela e observei a praia vazia em pleno dia de sol, nunca havia visto tal cena em Santos. Ao fundo, o noticiário relatava o aumento de mortes por corona vírus e, insistentemente, falava para lavarmos as mãos diversas vezes ao dia. “As mãos são minhas”, pensei alto. “As lavo quando eu quiser. Estou farto dessa mídia manipuladora!”, gritei ao desligar a TV. 
   Meu pai chegou em casa já falando que iriamos almoçar fora, pois um amigo dele estava abrindo o restaurante escondido, escapando das garras do governo estadual comunista. "Não demore muito para se trocar, daqui a pouco vou para a carreata e, depois, tenho um happy hour na casa do Rodrigão", disse ele me analisando. "Vai sair assim? Cadê a blusa que te dei de presente?". Fui até o quarto e coloquei a blusa da seleção brasileira, a qual combinava com a do meu pai, exceto que a dele tinha o rosto do presidente. Lembro-me que no caminho ao restaurante, um entregador de bicicleta com uma máscara rosa pink passou por nós e meu pai, num tom de voz enfurecido e ao mesmo tempo debochado, gritou com ele o zombando por estar de máscara e pela cor desta.  

  - E você não falou nada para seu pai? - perguntou o repórter.  

  - Não... não, na hora achei um exagero dele mas pensei que era melhor deixar quieto. - disse envergonhado.  

 - Você poderia falar como ficou sabendo do diagnóstico? - disse o repórter com a intenção de mostrar que eu estava enrolando muito.  

  Bom, no dia seguinte, acordei recebendo uma ligação do meu pai dizendo que estava tossindo muito e com um pouco de febre. Como só eu tenho carro, ele pediu para eu o levar ao hospital. Depois de algumas horas esperando, os médicos disseram que ele estava com suspeita de coronavírus e, como o hospital estava lotado e meu pai não estava tão mal, ele seria dispensado, porém teria que ficar em isolamento total. Então, meu pai começou a rir dos médicos e fazer um discurso, no meio do corredor hospitalar, sobre como a China havia criado o covid-19 para derrubar o capitalismo e, ressaltando, que não ia ficar trancado em casa por conta de uma "gripezinha". Uma semana depois, os sintomas pioraram e ele foi entubado, porém não resistiu.

    - Em que momento você resolveu fazer a entrevista?  

  - Ontem recebi a notícia que a Dona Ana, faxineira do meu pai, estava com sintomas do coronavírus e, por não ter aparelhos respiratórios suficientes, ela faleceu. - disse com lágrimas nos olhos. Foi nessa hora que decidi alertar o máximo de pessoas a não cometerem o mesmo erro que eu e meu pai.

    - E que tipo de erro foi esse?   

    - Me deixei levar pela minha opinião política, desacreditei da ciência e, por causa dos meus atos inconsequentes, perdi meu pai e acabei com a vida de uma mulher inocente. Então, peço aos que estiverem ouvindo, por favor, escutem e respeitem os profissionais da saúde, sejam eles médicos, enfermeiros ou professores. Não menosprezem fatos científicos, acreditem neles e não em postagens do Facebook sem fundamentos, como eu acreditei. Fiquem em casa e, consequentemente, protejam a vida de quem vocês amam e até de quem vocês não conhecem. Não cometam o mesmo erro que eu cometi.

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