Se o conceito de "ciência" existisse desde a pré-história, seria correto afirmar que entre
todas as adaptações evolutivas que possibilitou a dominação do ser humano na biosfera, a
capacidade de fazer ciência foi uma as mais importantes. Mesmo sem grandes dentes ou veneno
mortal, estudar e manipular a natureza para o bem coletivo da espécie garantiram a
sobrevivência dos Homo sapiens contra predadores muito mais fortes, rápidos e eficientes em
caça.
Na história moderna e contemporânea, por meio da padronização do Método Científico,
a comunidade científica se consolidou como a maior detentora e produtora de conhecimento.
O monopólio do conhecimento por si só já consiste em uma importante ferramenta de exercício
e perpetuação de poder,sendo fator importantíssimo para a dominação do clero nas sociedades
da Idade Média. Hoje a ciência é componente intrínseco para a estratificação do poder na
sociedade, visto que os avanços científicos nos ramos da medicina, tecnologia e até na guerra
ditaram durante a história recente as classes e países que viriam a exercer poder nas sociedades.
Sendo o conhecimento científico conduzido segundo a conveniência e capacidade de exercício
de perpetuar o poder daqueles que a financiam, seja a máquina pública dos Estados ou a
iniciativa privada.
A característica de sujeitar o incentivo e seu financiamento pelas demandas de
governantes ou do mercado atribuiu uma conotação seletiva para a produção científica. Sendo
usada segundo a necessidade da condução de agendas políticas e interesses privados.
Atualmente observa-se a crescente descentralização da divulgação científica, que antes
era sujeitada ao crivo de periódicos e revistas especializadas, pôde por meio da internet se
massificar e entrar em contato com qualquer pessoa. Abrindo margem para que qualquer
pessoa pudesse deter conhecimento científico, sendo um processo muito positivo para a
democratização da ciência e da detenção do conhecimento, visto que a academia figura muitas
vezes como um estrato isolado da sociedade, que é acostumada a julgar cientistas apenas pelos
seus resultados. Por outro lado, o choque abrupto do contato entre trabalhos acadêmicos e
camadas da sociedade que nunca tiveram contato com os critérios que classificam a produção
científica como relevante segundo o Método Científico culminaram na ampla divulgação de
estudos científicos muitas vezes com erros de metodologia. Apesar de facilmente identificados
como estudos infundados ou pouco confiáveis para a academia, faltam iniciativas de
“Alfabetização Científica” para pessoas de fora da comunidade acadêmica, visto que é essa
massa de pessoas que reverbera, divulga e valida estudos científicos de confiabilidade duvidosa
mais por convicção e conveniência do que o correto andamento da produção de conhecimento.
Nos últimos anos, o a falta desse processo de alfabetização científica foi responsável
pela validação e adesão cada vez maior de teorias ditas “científicas” que na verdade se tratam
de construções teóricas negacionistas de constatações reais da ciência, como a negação do
aquecimento global, mentiras sobre efeitos colaterais de vacinas, entre outras teorias que
flertam com conspiratório elaboradas por pessoal mal intencionadas e validadas massivamente
pela parte emotiva das pessoas, sem considerar qualquer razão metodológica para tal.
Na pandemia de COVID-19, o pacto entre comunidade acadêmica e as estruturas de
poder trabalha incessantemente para estudar o novo vírus e todos os impactos na saúde,
sociedade e economia com o objetivo de mapear o cenário em meio a crise sanitária como
também projetar cenários futuros para o mundo. Ficando a julgamento dos governantes quais
medidas embasadas pela ciência são as melhores para contornar a crise ocasionada pelo
Coronavírus. E dado o cenário atual, parte destes líderes de Estado, colocam em sua noção de
“medidas embasadas pela ciência” teorias negacionistas.
Os impactos do “Analfabetismo Científico” se refletem em como países governados por
políticos abertamente negacionistas estão lidando com a doença, tendo como exemplos mais
notáveis os EUA e o Brasil. Os EUA, governados por Donald Trump, presidente que subestimou
as informações a respeito da doença e negligenciar medidas de isolamento recomendadas pela
comunidade científica sob o pretexto que uma quarentena para atenuar o contágio da doença
seria muito danoso para o funcionamento da maior economia do mundo. Conduta que durou
até o número de mortes e contágios começarem a crescer exponencialmente, momento onde
Trump não se via mais confrontando a ciência, e sim os custos humanos, materiais e
diplomáticos diante da comunidade internacional ao negar a ciência quando ela não lhe foi
conveniente.
Caso mais complexo ainda é o Brasil governado por Jair Bolsonaro, presidente que
também insistiu na narrativa da dicotomia entre Economia e Saúde, contrariando
recomendações da Organização Mundial da Saúde e inclusive perseguindo agentes que
endossassem as recomendações científicas, como parte da imprensa, institutos de pesquisa e
até membros de seu próprio governo, como o agora ex-ministro da saúde Luiz Henrique
Mandetta. Bolsonaro se mostra como uma autoridade que aspira a seguir o mesmo caminho de
Donald Trump, apostando em teorias infundadas como o isolamento vertical ou imunidade de
rebanho para a nova doença, e suas fichas são a população brasileira. E quando, assim como
Trump, o presidente se der conta do impacto de negar a ciência, além de todas as perdas em
vidas, o Brasil não usufrui de todo o poderio econômico e a influência internacional para lidar
com o tamanho da urgência que a doença vai demandar, assim desencadeando uma situação
mais trágica ainda tanto para a saúde quanto para a própria economia que Bolsonaro julga
defender ao ser uma autoridade irresponsável para com o pacto histórico entre ciência e o
exercício do poder.
Infelizmente o atual momento de crise leva a reflexão de qual a visão da sociedade sobre
a produção de ciência e principalmente, a banalização do seu valor. Mostrando a importância
de integrar cada vez mais o conhecimento técnico com a sociedade, de maneira simples e
correta, essencial para a construção do senso crítico do trabalho científico ao apresentar e
debater o que o torna válido e relevante. Visando como fim a consolidação de um juízo coletivo
capaz de mensurar o impacto negativo na ética de autoridades que se agarrem a conspirações
e negacionismo científico, ao saber que em última instância, assim como a corrupção, este pode
custar recursos e até vidas.
Lucas Costa Mignoli Ferreira da Silva - 1° ano de Direito - Período Noturno
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