O Direito mantem-se como principal fonte de ordenamento
social desde os primórdios da humanidade, de formas distintas e com inúmeras
alterações com o passar dos séculos. Esse sistema criado e imposto por um conjunto de instituições para regular
as relações sociais tem um papel inquestionavelmente importante, mas
será que o Direito, que deveria ter o dever de atuar como uma ferramenta da sociedade,
não está a cada dia mais coercitivo, e ao invés de moldar-se conforme a
necessidade da sociedade, não está ele mesmo moldando-a?
Questionamentos como esse puderam ser visivelmente levantados
com mais frequência com o desenvolvimento do capitalismo, que teve início em
meados do século XV, com a desestruturação do feudalismo e a passagem deste,
com o “renascimento comercial”. Com a ascensão do capitalismo, surgiram os
teóricos e filósofos que passaram a estudar, compreender e analisar o sistema,
seu funcionamento e seus malefícios, uma vez que o surgiu trazendo consigo
desigualdades sociais ainda mais latentes, “superabundância”, concentração de
renda, e com isso inúmeros problemas sociais.
Dois grandes pensadores do sistema foram Karl Marx (1818-1883)
e Friedrich Engels (1820-1895), eles juntos desenvolveram obras acerca da funcionalidade
do sistema e através do método criado por eles, conhecido como “Socialismo
Científico”, resolver os contratempos sociais. Em suas obras, fica muito claro
a mudança de concepção ao decorrer do tempo, antes havia algo chamado “Socialismo
Primitivo” que segundo filósofos como Henri de Saint-Simon, Charles Fourier e
Robert Owen, as “incapacidades do proletariado” teriam uma solução “divina”,
através de “homens iluminados”, uma visão nada cientifica e ainda mais capaz de
reproduzir desigualdades, uma negação da dialética, perda de uma perspectiva do
todo.
A principal obra de Marx, “O Capital” trouxe o
conceito de materialismo-dialético, sendo o materialismo a centralidade na
observação e na experiência durante a hermenêutica do mundo, uma “superação da
filosofia tradicional” partindo da luta de classes. Para ele, o ser humano é formado a partir das
relações sociais, que mesmo partindo da dialética de Hegel, difere-se da
mesma uma vez que Marx enxerga a história não como algo estático, mas como algo
que pode ser mudado com as ações humanas. E na obra, há essa compreensão
histórica por meio da análise das transformações das relações da propriedade,
meios de produção, relações de trabalho, e etc.
Marx acreditava na revolução do proletariado, onde as camadas populares se ascenderiam e
passariam a ocupar as classes dominantes da sociedade através do socialismo, sendo
capaz de emancipar-se. Contudo, ele não previu aspectos que trouxeram o
capitalismo ao que ele é hoje, um sistema completamente sólido, fundamentado e
que “renasce das cinzas” a cada dia, mantendo-se inabalável e tornando outros
sistemas utópicos na contemporaneidade.
Eis que entra o Direito, que com a
função já mencionada acima, deveria garantir o bem estar social e manter as
relações (sejam elas entre os indivíduos, entre empresas e indivíduos ou Estado
com indivíduo) saudáveis de maneira que não houvesse uma disparidade como a que
temos na atualidade, em todo o mundo. A concentração de renda, exploração do
trabalhador, dentre outros aspectos sociais, eram previstos por pensadores com
Marx, Hegel e Engels no passado, mas nada de efetivo se fez e nada de grandioso
se concretizou para que essas situações catastróficas causadas pela ascensão
exacerbada do capitalismo fossem controladas.
Dessa forma ‘desenfreada’ se desenvolveu
o capitalismo, e facilmente conseguimos ver seus reflexos em pequenas coisas do
cotidiano, como por exemplo, a instabilidade presente no mercado de trabalho, a
própria liquidez/superficialidade das relações sociais (partindo da linha de pensamento
de Zygmunt Bauman), o medo eminente de perder o emprego, a disparidade de renda
entre populações não tão distante, a possibilidade de “perder tudo” com um
simples ato, as formas rápidas de investimentos, a falta de consciência de
classe, o medo do despreparo financeiro no futuro, muito claro em questões como
Previdência Social, dentro outros aspectos nos mostram essa realidade.
Com a deturpação do marxismo e questões
como a totalidade, provocou-se mais ainda essa “demonização” do levantamento de
aspectos sociais. O capitalismo tem relação direta em como as pessoas levam
suas vidas, muito bem colocado em obras como “A Corrosão do Caráter” do sociólogo
e historiador norte-americano Richard Sennett. É muito comum a principal
preocupação das pessoas e mesmo os Estados serem relacionadas á bens e questões
financeiras. Casos de pessoas até mesmo tirarem suas vidas por questões relacionadas
ao capital, como por exemplo, os suicídios cometidos com o crack da bolsa de valores de Nova York em 1929 são dados verídicos
de uma incorporação despercebida do capitalismo na vida da população.
Portanto, ter uma visão crítica e
ampla de como a sociedade vem se desenvolvendo, procurar conhecimento para
tomar melhores decisões com impactos coletivos, possuir consciência das injustiças
e desigualdades existentes é de suma importância para que haja ao menos a
possibilidade de ter a esperança de um mundo mais equilibrado no futuro, tendo
um Direito que não reafirme e positive as injustiças, mas que as combatam e seja
um facilitador social eficaz. Colocar-se no lugar do outro, ter empatia, é o
que pode mudar nossa sociedade, uma vez que como colocado na música “Passarinhos”
dos cantores Emicida e Vanessa da Mata, “[...] quando pessoas viram coisa, cabeças
viram degrau”.
Letícia E. de Matos
1° ano - Direito Matutino.
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