A
criança como força de trabalho:
de
operários a adolescentes
A
criança do mundo industrial, vista sob viés marxista, nada mais é do que uma
ferramenta acessória à produção capitalista de larga escala, para o trabalho
mecânico do operário descartável. A força de trabalho infantil expande-se,
consideravelmente, com a desvalorização do trabalho manual da massa
trabalhadora durante a Revolução Industrial. Ao sistematizar a produção e
desvincular o trabalhador do conhecimento global de todo o processo de produção,
o homem industrial torna o homem comum em algo facilmente substituível; seu salário é
reduzido, assim como a renda da família. Logo, novas peças passam a fazer parte
do processo produtivo: a criança seria uma delas. A força infantil, então, transforma-se
em um dos alicerces do sistema produtivo fordista. No entanto, no decorrer do
século XX, tal quadro altera-se pelo próprio interesse da alta burguesia. Assim,
de força bruta produtiva, as crianças passam a força bruta consumidora. Para
consumir e existir como grupo consciente de si mesmo, o mundo infantil
precisaria de conflitos, sonhos, vivências inerentes à inocência juvenil, porém,
com certo discernimento adulto. A infância, portanto, é estendida; a maturidade
deixa de emergir, automaticamente, com a maioridade; é criada a adolescência
A
adolescência, período gerado no seio da sociedade americana do pós-guerra, surge
como fenômeno necessário à expansão exigida pela força do capitalismo americano
e do modelo exportador do American way of
life. Envoltos em tempos de consumismo excessivo, de produção abundante, as
multinacionais americanas necessitavam de novos consumidores. Os adultos,
criados sob o ardor austero da Grande Depressão e da Segunda Guerra Mundial,
pouco almejavam materialmente a não ser uma máquina de lavar, um Ford e uma
casa com grama verde. Logo, a juventude americana é investida como nova força consumidora.
Sem renda, moradia e gastos estritamente individuais, os jovens deveriam
almejar aquilo que a geração anterior nunca teve: excessos, rebeldia, extravagância;
tudo à base de marcas, essencialmente, americanas.
Se
a força do trabalho industrial infantil deixa de existir em terras americanas
com a transferência da produção industrial para países subdesenvolvidos graças à
transformação de uma economia industrial para uma de serviços, sua nova força
de trabalho, a força consumidora, explode em vigor capitalista. Esse novo
grupo, permanece na escola até os 18 anos. Instruí-se, educa-se, reconhece-se
com identidade singular. Com a ampliação do acesso à educação veio a busca por cultura:
por música, por literatura, pelas artes, por carros e Harley-Davidsons.Tais
aspirações, contudo, foram cuidadosamente acopladas ao surgimento de marcas
globais, das grandes corporações americanas do século XX.Nos anos 50, auge da descoberta
da chamada adolescência, todo jovem deveria comer no MacDonald´s; usar jaqueta
de couro americano; ter um Ford conversível ; fumar como Paul Newman;dançar
como Elvis Presley;assistir filmes hollywoodianos nos drive-ins; para ser
aceito socialmente.
Nesse
sentido, surgem marcos da cultura americana que associam ao poderio capitalista
de sua sociedade de origem. O modelo americano é exportado, a adolescência
espalha-se por todos os continentes.O livro The
Catcher in the Rye aparece como sucesso mundial de vendas ao dissecar o
então, novo mundo adolescente. James Dean, ícone do cinema da época, desperta
como sex symbol ao sintetizar gosto
por moda, carros e exageros. Percebe-se, assim, que os grandes ícone da cultura
americana do pós-guerra,sobretudo jovem, brotam como obra acabada, obra
premeditada das forças produtivas dos EUA.
Portanto,
em menos de 100 anos a força de trabalho infantil altera-se profundalmente. Deixa
de ser industrial, mecânica e explícita para uma apresentar um caráter consumidor,
dinâmico, implícito. Se antes era base da renda familiar, com o tempo assume o
controle do consumo familiar. Se deixou as fábricas para os pátios das escolas secundárias,
a força infantil invadiu lojas de departamento, automotivas, lanchonetes, cinemas
e bares com imensidão napoleônica. A criança, portanto, deixa de ser força
industrial, deixa de ser precocemente emancipada, passa a ser força
consumidora, passa a ser adolescente.
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