Entre
a Ordem e a Estagnação
A inscrição “Ordem e
Progresso”, presente no centro da bandeira nacional, configura-se como a
manifestação simbólica mais eloquente da profunda influência exercida pelo
positivismo de Auguste Comte sobre o ideário republicano brasileiro. Inspirada
na convicção comteana de que a ciência deveria constituir-se como guia supremo
da organização social, essa máxima foi alçada à condição de lema oficial da
nascente República. No entanto, a concretização histórica de tal preceito
revelou-se marcada por uma apropriação seletiva, quando não francamente
distorcida, de seus fundamentos originais. No contexto brasileiro, a noção de
“ordem” acabou sendo transmutada em sinônimo de imobilismo institucional e de
manutenção obstinada do status quo, ao passo que o “progresso”, entendido como
transformação coletiva, emancipatória e estrutural, permanece relegado à
condição de promessa recorrente — sempre evocada, mas jamais plenamente
efetivada.
Com efeito, Comte idealizava
uma sociedade regida por elites técnico-científicas, dotadas de capacidade para
orientar racionalmente o destino humano rumo ao estágio positivo, o qual
representaria, em sua visão, o ápice da maturidade intelectual da humanidade.
Contudo, quando se examina o cenário brasileiro contemporâneo, o que se
observa, em flagrante contraste com tal ideal, é a persistência de um modelo
econômico estruturalmente dependente e marcadamente extrativista, orientado
prioritariamente para a exportação de commodities e para a satisfação de
demandas oriundas de centros hegemônicos. Em vez de configurar um avanço
racional e soberano, essa configuração reforça a lógica da subordinação
econômica e compromete, de maneira substancial, qualquer pretensão de autonomia
nacional no interior do sistema-mundo.
Ademais, conquanto o
agronegócio seja frequentemente enaltecido como principal alicerce do
crescimento econômico nacional, importa reconhecer que seus benefícios
encontram-se concentrados em mãos de poucos, enquanto os custos sociais e
ambientais são amplamente distribuídos entre os segmentos mais vulneráveis da
população. A degradação dos ecossistemas, a expropriação sistemática de
comunidades tradicionais e o progressivo esvaziamento das economias locais
constituem, em conjunto, o reverso sombrio desse suposto “progresso”, o qual,
em sua essência, revela-se excludente, assimétrico e desvinculado de qualquer
projeto nacional genuinamente inclusivo ou democrático.
A herança comteana, tal como
se cristalizou no Brasil, foi, portanto, apropriada por uma lógica tecnocrática
e conservadora, que se vale da retórica da racionalidade científica para
conferir legitimidade a estruturas arcaicas, hierárquicas e concentradoras. Em
lugar de um progresso orientado pelo bem comum e pautado por princípios de
justiça social, o que se observa é a consagração de um modelo que sacraliza a
eficiência econômica, mesmo — e sobretudo — quando esta implica o
aprofundamento das desigualdades, a exclusão sistêmica e a negação do futuro
para vastas parcelas da população. Assim sendo, o positivismo à brasileira
revela-se, menos como um horizonte de superação e mais como um entrave
histórico — uma filosofia congelada no tempo, cujo legado, ao invés de iluminar
os caminhos da nação, contribui decisivamente para obscurecê-los.
Felipe Bechelli Caldas
1°ano direito matutito
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