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segunda-feira, 14 de abril de 2025

Entre a Ordem e a Estagnação

 

Entre a Ordem e a Estagnação

A inscrição “Ordem e Progresso”, presente no centro da bandeira nacional, configura-se como a manifestação simbólica mais eloquente da profunda influência exercida pelo positivismo de Auguste Comte sobre o ideário republicano brasileiro. Inspirada na convicção comteana de que a ciência deveria constituir-se como guia supremo da organização social, essa máxima foi alçada à condição de lema oficial da nascente República. No entanto, a concretização histórica de tal preceito revelou-se marcada por uma apropriação seletiva, quando não francamente distorcida, de seus fundamentos originais. No contexto brasileiro, a noção de “ordem” acabou sendo transmutada em sinônimo de imobilismo institucional e de manutenção obstinada do status quo, ao passo que o “progresso”, entendido como transformação coletiva, emancipatória e estrutural, permanece relegado à condição de promessa recorrente — sempre evocada, mas jamais plenamente efetivada.

Com efeito, Comte idealizava uma sociedade regida por elites técnico-científicas, dotadas de capacidade para orientar racionalmente o destino humano rumo ao estágio positivo, o qual representaria, em sua visão, o ápice da maturidade intelectual da humanidade. Contudo, quando se examina o cenário brasileiro contemporâneo, o que se observa, em flagrante contraste com tal ideal, é a persistência de um modelo econômico estruturalmente dependente e marcadamente extrativista, orientado prioritariamente para a exportação de commodities e para a satisfação de demandas oriundas de centros hegemônicos. Em vez de configurar um avanço racional e soberano, essa configuração reforça a lógica da subordinação econômica e compromete, de maneira substancial, qualquer pretensão de autonomia nacional no interior do sistema-mundo.

Ademais, conquanto o agronegócio seja frequentemente enaltecido como principal alicerce do crescimento econômico nacional, importa reconhecer que seus benefícios encontram-se concentrados em mãos de poucos, enquanto os custos sociais e ambientais são amplamente distribuídos entre os segmentos mais vulneráveis da população. A degradação dos ecossistemas, a expropriação sistemática de comunidades tradicionais e o progressivo esvaziamento das economias locais constituem, em conjunto, o reverso sombrio desse suposto “progresso”, o qual, em sua essência, revela-se excludente, assimétrico e desvinculado de qualquer projeto nacional genuinamente inclusivo ou democrático.

A herança comteana, tal como se cristalizou no Brasil, foi, portanto, apropriada por uma lógica tecnocrática e conservadora, que se vale da retórica da racionalidade científica para conferir legitimidade a estruturas arcaicas, hierárquicas e concentradoras. Em lugar de um progresso orientado pelo bem comum e pautado por princípios de justiça social, o que se observa é a consagração de um modelo que sacraliza a eficiência econômica, mesmo — e sobretudo — quando esta implica o aprofundamento das desigualdades, a exclusão sistêmica e a negação do futuro para vastas parcelas da população. Assim sendo, o positivismo à brasileira revela-se, menos como um horizonte de superação e mais como um entrave histórico — uma filosofia congelada no tempo, cujo legado, ao invés de iluminar os caminhos da nação, contribui decisivamente para obscurecê-los.

Felipe Bechelli Caldas

1°ano direito matutito

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