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segunda-feira, 14 de abril de 2025

O organismo durkheimiano e os meandros sociais

    Quando criança, eu adorava assistir desenhos animados pela dimensão imaginativa que estes conferiam a mim, dando matéria infinita para exercícios de imaginação incríveis, como as brincadeiras de criança costumam ser. Todavia, embora eu me encontrasse em profunda euforia assistindo tais programas televisivos, havia sempre um sentimento de exclusão quando eu me projetava nos personagens dos desenhos que assistia... quase nenhum personagem de importância significativa nestes era negro, e mesmo quando havia um personagem, sua posição era sempre subalterna em relação aos personagens brancos, majoritariamente protagonistas.

    Dentre os impactos deste ocorrido, assim como de ocorridos similares a pessoas negras, há, sumamente, o engendramento de um sentimento interno de não pertencimento, de inconformidade com os padrões pré-estabelecidos, de órbita em relação às convenções aceitas socialmente; tal sentimento afeta negativamente a autoestima das vítimas - e quando me refiro ao termo "vítimas", refiro-me também ao malfeitor: o racismo estruturalmente edificado sob uma cultura secularmente escravagista, etnocêntrica e eugênica - culminando nessas uma postura socialmente apática, alheia à própria sociedade, da qual deveriam fazer parte ativamente.
Decerto, o racismo estrutural que se revela uma constante no meio social já estava enraizado na sociedade brasileira quando eu nasci, assim como quando meus pais, avós e bisavós nasceram, já que sua origem remonta ao passado colonial do Brasil, e mesmo neste período, sua origem remonta ainda a períodos mais antigos e remotos: o surgimento das monarquias europeias; ora, se o racismo já  existia antes de meu nascimento, ele é, portanto, externo a mim, e se exerce influências diretas no cotidiano de todos os indivíduos da esfera social, seja de forma benéfica ou maléfica, só pode ser, desta forma, coercitivo e generalizado.

    Émile Durkheim, sociólogo francês do século XIX, por meio de seu objeto de estudo, o fato social, concedeu arcabouço teórico para análises como a que realizei acima, expandindo o entendimento da sociedade e de seus diversos componentes, bem como das funções de cada componente, uma vez que em sua teoria funcionalista, o meio social opera como um organismo vivo, segmentado por instituições, movimentos e grupos sociais, ao passo que todas suas ações são dotadas de coercitividade, exterioridade e generalidade.

    Enquadrando o exemplo dado com a teoria do sociólogo, torna-se evidente que o racismo é um fato social por sujeitar todos os indivíduos, generalidade, a sua ação coercitiva e externa, sendo estas três características relativas aos fatos sociais, em geral; para o sociólogo, a sociedade, quanto organismo, evita, assim como os organismos vivos, o caos, denominado anomia na teoria durkheimiana. Sendo assim, em determinado grau, a função, dentro da lógica funcionalista, de forças coercitivas atuantes no meio social, é a de evitar a anomia por sujeitarem indivíduos de determinados grupos sociais a permanecer em suas funções pré-estabelecidas, também externas, coercitivas e generalizadas dentro de seu âmbito social, ocasionando, a exemplo do racismo, em situações polarizadas, injustas e desumanas, como as disparidades políticas e econômicas que se baseiam em discursos étnicos; importante salientar que usei a expressão "em determinado grau" porque, embora a teoria funcionalista de Durkheim possibilite aproximações com a teoria positivista, essa compreende mudanças e adaptações dinâmicas acerca de características sociais que, embora vigentes por um longo período, podem, a partir de reinvindicações sociais, geralmente ratificadas pelo Direito, alterar-se, viabilizando mudanças em direção ao bem-estar coletivo e geral.

    Por fim, outro exemplo prático e hodierno que se relaciona com a teoria durkheimiana é a função que as redes socias desempenham e doravante desempenharão, uma vez que, por serem generalizadas, ou seja, serem, ao menos, presentes na maior parcela da sociedade, externas e coercitivas, são fatos sociais, e, portanto, passíveis de análises acerca de seus fundamentos e impactos. Adentrando as redes sociais, uma prática hodiernamente comum e que revela como as mudanças dinâmicas na sociedade se criam e se regulam a fim de evitar a anomia é o cancelamento, o qual consiste no feedback extremamente negativo dos usuários de alguma plataforma digital no perfil da pessoa cancelada, engendrando um imaginário negativo e generalizado acerca desta. Um ocorrido a ser exemplificado é o cancelamento da cantora Karol Conká, devido a sua participação no reality show BBB, realizado pela emissora Globo, a qual, após, ao fim desse, conduziu, apesar do anterior cancelamento midiático, um programa de reintrodução bem-sucedido da cantora na mídia, revelando que as mudanças dinâmicas que ocorrem no meio social, assim como afirmou Durkheim, são criadas e mantidas em sua própria existência, a fim de evitar a anomia e garantir a funcionalidade de todos os componentes sociais, independentemente de ocorridos anteriores, já que todo indivíduo deve desempenhar um função para com a sociedade, ao passo que os fatos sociais atuam como agentes grupais e históricos responsáveis pela própria modificação social.

Teodoro Susi Alves - Direito Noturno, 1 ano.

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