A crise de coesão francesa
Em janeiro de 2024, milhares de pessoas protestaram na França contra a aprovação de uma nova lei de imigração que impunha restrições ao acesso de estrangeiros a benefícios e à regularização. Esses protestos, protagonizados por grupos ligados à causa dos imigrantes, mostram mais do que uma insatisfação política: revelam uma crise da sociedade francesa. A partir de Durkheim, é possível interpretar esse fenômeno como uma tensão que pretende evitar a anomia social e um enfraquecimento dos mecanismos de coesão que sustentam a ordem social.
Durkheim compreendia a sociedade como um organismo complexo no qual cada parte exerce uma função específica em prol da estabilidade coletiva. Nesse sentido, o conjunto de normas e valores compartilhados tem papel central. Todo fato social deve ser explicado a partir de sua função social, sendo a função da norma manter a coesão do grupo.
Contudo, essa coesão depende da existência de uma consciência coletiva, isto é, um conjunto de crenças e sentimentos comuns aos membros da sociedade que exerce sobre eles uma força moral. Quando essa consciência coletiva se torna fragmentada, ocorre a anomia, uma situação em que os indivíduos não encontram nas instituições sociais (família, escola, religião, Estado) uma orientação clara de conduta, proporcionando uma desregulação social.
Os conflitos culturais entre franceses nativos e imigrantes, especialmente nas periferias urbanas, expõem justamente essa tensão. Jovens descendentes de imigrantes, muitas vezes nascidos na França, não se sentem plenamente integrados à sociedade nacional e suas instituições – os valores da sociedade francesa contemporânea não são automaticamente introjetados naqueles que se estabelecem no território francês –, tampouco mantêm os vínculos tradicionais com as culturas de origem. Essa dupla ruptura fragiliza os laços sociais e dificulta a internalização das normas dominantes, contribuindo para a mútua incompreensão e acirramento dos conflitos internos da sociedade.
A resposta do Estado por meio de uma legislação mais restritiva pode ser compreendida como uma tentativa de reafirmar o centro normativo da sociedade, reforçando os limites e expectativas coletivas e afastando o elemento de estranheza do interior do grupo. Trata-se de uma tentativa de reconstituir a solidariedade por meio da delimitação mais nítida do pertencimento social, de delimitar o que é um francês.
Assim, os protestos na França não revelam apenas um conflito de interesses, mas um dilema mais amplo sobre os fundamentos da coesão social desta sociedade. Durkheim, ao reconhecer a importância da consciência coletiva comum como alicerce da vida em sociedade, oferece uma chave interpretativa para os desafios da integração cultural e da manutenção da solidariedade em sociedades cada vez mais diversificadas.
Artur Azevedo Rodrigues – 1º ano – Direito – noturno
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