O positivismo, corrente filosófica criada por Auguste Comte no século XIX, influenciou profundamente as estruturas políticas, jurídicas e sociais de diversos países, incluindo o Brasil. Ao defender uma sociedade organizada a partir da razão, da ordem e do progresso científico, o positivismo propôs a substituição de explicações metafísicas por métodos empíricos, com base no conhecimento verificável. No entanto, embora essa doutrina tenha fornecido fundamentos importantes para a consolidação do Estado moderno, sua aplicação em contextos sociais complexos, como o da questão agrária brasileira, revela contradições importantes entre a ordem defendida teoricamente e a justiça social efetivamente praticada.
Nesse viés, a influência positivista no Brasil é visível já na bandeira nacional, com o lema “Ordem e Progresso”, uma adaptação direta do pensamento de Comte. A obra Curso de Filosofia Positiva, publicada em 1830, afirma que “a política deve tornar-se uma ciência positiva”, ou seja, baseada em leis racionais e previsíveis. Nesse âmbito, tal ideia foi fundamental para a formação de instituições que buscavam organizar a sociedade segundo padrões científicos, inclusive no Direito. No entanto, ao priorizar a ordem, o positivismo comtiano frequentemente negligenciava as tensões sociais históricas, como as desigualdades fundiárias herdadas do período colonial.
Ademais, a concentração de terras no Brasil é uma herança do sistema de sesmarias e posteriormente das capitanias hereditárias, que beneficiaram poucos com grandes extensões de terra. Com a abolição da escravidão em 1888, milhares de ex-escravizados ficaram sem acesso à terra, e o Estado, em vez de promover uma distribuição justa, consolidou ainda mais os privilégios dos grandes latifundiários. Sob essa ótica, ao longo do século XX, tentativas de reforma agrária encontraram resistência de setores conservadores, frequentemente respaldados por interpretações positivistas do Direito, que priorizavam a propriedade privada como um direito absoluto e desconsideravam sua função social.
Nesse sentido, o positivismo jurídico — uma vertente que surgiu a partir da filosofia de Comte e se desenvolveu com autores como Hans Kelsen — fortaleceu a ideia de que o Direito deve ser separado da moral, sendo válido aquilo que é posto pelo legislador, independentemente de seu conteúdo ético. Essa separação dificultou, por muito tempo, a implementação de políticas agrárias mais justas, uma vez que a lei favorecia os grandes proprietários em detrimento dos trabalhadores rurais.
Portanto, o positivismo comtiano, embora tenha contribuído para a consolidação das instituições jurídicas brasileiras, também pode ser interpretado como um obstáculo à justiça agrária quando aplicado de forma inflexível. A superação desse problema passa pela compreensão de que o Direito, mesmo dentro de uma perspectiva positivista, deve se adaptar às demandas sociais e históricas do país. Assim, tansformando a ordem em um verdadeiro instrumento de progresso, não apenas econômico, mas também humano e social.
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