UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO – UNESP
FACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FCHS
CURSO DE DIREITO – CAMPUS DE FRANCA
DISCIPLINA: SOCIOLOGIA DO DIREITO II
PROFESSOR: DOUTOR AGNALDO DOS SANTOS BARBOSA
Aluno: Rubens
Chioratto Junior
Reg. Acadêmico: 211
222 526
O DIREITO EM FACE DO RACISMO: UMA
INTERPRETAÇÃO A PARTIR DO SUL
O
racismo consiste num conjunto de práticas que se recusam aceitar a igualdade
entre os seres humanos. O princípio e o tema raça, segundo o autor “foi
instaurado sob o signo do capital e isto é o que distingue o tráfico negreiro
de outras formas de servidão”. (p.31). Depois do tráfico negreiro o plantation,
criaram o panorama para a criação do conceito de raça e preconceito, enfim,
do racismo. Segundo o professor Agnaldo a questão da raça é uma das questões mais
incompreendidas seja na Europa, seja no Brasil.
Achille Mbembe
é um filósofo camaronês que faz a abordagem do racismo a partir da África e da condição
de africano e de negro. Para ele a intersecção de raça e classe é inseparável
para ele e, principalmente a opressão de um sistema que define e que molda o
lugar que a raça tem na dominação capitalista. Além de filosofo, é historiador
autor de muitos livros publicados no brasil relacionados ao racismo e um
pequeno ensaio intitulado política.
A produção
intelectual de Achille Mbembe está associada a visão decolonial. A partir do conceito
de raça, o princípio organizador de todo o sistema capitalista que Mbembe
procura compreender a humanidade
//
O cientista
político camaronês Achille Mbembe (Foto: Manuel Braun)
Defende ele
que o conceito de raça é princípio organizador de todo o sistema capitalista na
sua fase primária que é caracterizada como acumulação primitiva do capital
Dentro do
projeto político de Mbembe, tem contribuído para a mobilização no mundo a
imagem que rodou o mundo de um policial asfixiando um negro em Minnesotta por
oito minutos, mesmo havendo pedidos de compaixão. Isso colocou o racismo como
uma questão central na humanidade, havendo manifestações conjuntas para combater
essas práticas.
Colocam o
negro num eterno lugar de subalterno e vítima, negando suas potencialidades. É
necessário avançar não só na questão racial, mas no destino do mundo, a luta é pela
emancipação das pessoas.
Mbembe propõe
construir uma coalizão interdisciplinar em torno do combate ao racismo, pois
enfatiza que o racismo é uma criação histórica, a partir de relações de poder e
tem como objetivo a subjugação de grupos racializados devido a necessidade da
legitimação de grupos raciais em relação a outros.
A partir da longa
duração, Mbembe divide a modernidade em três momentos:
XV a XIX =
acumulação primitiva do capital escravidão; esvaziamento de homens e mulheres
(de lugar, de nome, de língua)
XIX à XX = teve
a revolução do Haiti, inspirada na revolução francesa, o Haiti rompeu com a França,
aboliu a escravidão, expropriou propriedades dos brancos (e paga o preço de
tudo isso até hoje), marcado também pelos direitos civis dos negros americanos
e, também desmoronamento do Apartheid na África do Sul.
Início do
século XXI com a privatização do mundo e globalização dos mercados sobre a
égide do neoliberalismo, e da crescente complexificação da economia financeira,
do complexo militar pós imperialismo, após a guerra fria, a com a especificação
das tecnologias digitais.
Segundo Mbembe
o negro foi uma invenção dos europeus com o objetivo de internalizar a
inferioridade e legitimar a dominação.
No capítulo 1 a
questão da Raça (p. 25 – 74) do livro “Crítica da Razão Negra” existe
alguns conceitos:
·
Alterocídio: É constituir o outro como algo
ameaçador e não como semelhante a si mesmo, ao que é preciso proteger-se ou
destruí-lo caso dele não tenhamos controle total, é a morte o apagamento da
figura do elemento negro;
·
Consciência produzida externamente: a
razão pura ela vem de fora, ela não é expressa pelo negro; ela é criado pelo
europeu que se achava o mundo civilizado e o que estava fora de seus conceitos
de civilização era selvagem. O diferente do conceito europeu de vida é o
divergente, “o poder puro do negativo” (p.28), nas palavras de Mbembe. Não
é feita pelo negro, é a fabricação da racionalidade a partir da consciência do
ocidente, a partir do branco e a partir dos interesses do capital.
·
Efabulação: Quando o Mbembe fala da
efabulação, é uma razão de fábula (animal tem características humanas), é
apresentar sobre o negro coisas irreais, imaginárias, como se fossem reais. É
sobre o negro e não a partir ou criada pelo negro. O que se refere ao negro é
sempre algo inventado como uma fábula, seja pela igreja, seja pela ciência,
como uma forma de animalizar; o que é uma forma de desumanização. É por isso
que essa razão negra carrega a ideia de inexistência, de ausência, porque se
não é humana, não está dentro dos critérios do ocidente. Deixa o negro
semelhante aos animais, aos rebanhos, aos maquinários, mas não iguais a nós
brancos e humanos. No contexto de efabulação o negro é o perigo, o selvagem, o que
causa medo; é o complexo psiconírico, um complexo que causa medo, aflição, trauma.
·
Enclausuramento do Espírito: Espírito igual
a consciência, racionalidade, a cognição, o conhecimento, nisto o negro fica
enclausurado. E na África, fica a imagem de que foi só objeto de extração, de
uma exploração brutal e que nunca mais nada ali aconteceu. Mas, aconteceu,
ciência, literatura, arte etc.; diz Mbembe, “efetivamente, uma vez indicados
e classificados os gêneros, as espécies e as raças, nada mais resta senão
indicar através de quais diferenças eles se distinguem uns dos outros.” (p.38)
·
Inexistência/Ausência: É no sentido de
não entendermos nas relações sociais esse negro como ele é. Ele simplesmente
representa o não ser, enquanto a África o não lugar. Essa inexistência da
negritude se constitui tendo o branco como o humano universal, tentando,
inclusive, branquear tudo que é negro; segundo Mbembe “a noção de raça
permite que se representem as humanidades não europeias como algo menor.......
Falar delas é assinalar uma ausência ... ou ainda, uma presença segunda, a presença
de monstros e de fósseis” (p. 39).
·
Dessubjetivação: É tirar a possibilidade
do negro ser e se sentir um indivíduo humano; m exemplo disso é a incapacidade
jurídica do negro escravo, “a ele não era permitido apelar a tribunais, o
que do ponto de vista jurídico o transforma em uma não pessoa” (p.42), segundo
Mbembe.
·
Desumanização: crime de homofobia colocou
na perspectiva de crime de racismo, percebe a consonância disso lendo Achille
Mbembe e tem consonância porque [e a negação a racialização é construir a
desumanização do outro, a desumanização é construir o outro como a negação da existência.
Esse vai ser o eixo da luta de classe e mesmo aquele que é branco vai ver no
negro alguém a ser superado, a ser enfrentado. Racismo tem a ver com
neoliberalismo e capitalismo. Algumas corporações dizem que querem ver mais
negros em cargos de liderança, é o negro se branqueando para ser a existência,
se sentir participante, ser alguém que faça sentido dentro da engrenagem.
Raça e
classe: Essa invenção do negro e do racismo é algo essencial
·
Racialização da servidão: É justamente a
maneira de dar a classificação, sobre quem vai servir e quem vai dirigir. O
negro era o último degrau, era lutar para não descer. Deixar que aquela parte
da humanidade continue ali e você sendo branco ficar um degrau acima. É a luta
de classe dentro da própria classe, com a característica racial.
·
Invenção do negro/invenção do capitalismo:
Essencial para a acumulação, essa ciência a serviço da acumulação conquista
o mundo transformando uma massa em não humanos. A invenção do negro é essencial
para o capitalismo. Sem o negro o capitalismo não existiria da forma como é.
Trata-se de inventar o negro como uma anormalidade, o que serve para manter os
alicerces da reprodução do seu sistema de dominação.
·
Escravidão e acumulação primitiva: o capitalismo
só foi possível segundo o autor pela acumulação primitiva do capital feita na
época da escravidão graças aos negros escravizados que trabalhavam nas
plantações. Dessa época e acumulação da riqueza, foi viabilizado o capitalismo
e a necessidade da criação do estigma de raça.
Raça e
Política:
·
Santuarização: É colocar cada um no seu
lugar, delimitar territórios para evitar ameaças dos diferentes. Montar um local
seguro, um santuário para as “pessoas de bem” viverem em paz. Esse conceito ficou
fácil de entender e foi muito presente depois dos atentados muçulmanos contra
os Estados Unidos.
·
Biopoder/biopolítica: Recuperando a visão
do Foucault do biopoder sobre o controle e disciplinamento de corpos é essencial
para o poder. E, no casso do negro ainda mais, para as pessoas não se sentirem
infringidas pelo medo e se sintam ameaçadas. Assim, os brancos pobres, podem
sentir certa superioridade – e, não se revoltarem contra o sistema - porque
podem mais que os negros, estão um degrau acima, são “melhores” numa visão
mesquinha, porém muito eficiente para regular os comportamentos dentro do sistema
capitalista.
·
Hiper vigilância/Controle: Esses corpos
negros têm que estar disciplinados e territorializados também, ou seja, onde
podem estar e até onde podem ir. Um exemplo são esses que estão na mídia, nos
telejornais. Será que vai aumentar a participação dos negros ou é uma espécie
de “cota”, só entra outro a hora que esse sair, porque o espaço para o negro é
só aquele mesmo.
Raça como Diferenciação:
·
Legitimação do estigma: Uma epiderme
diferente possibilita o estigma. Gera uma classificação, uma demarcação, uns para
lá e outros para cá. Ex.: há uma demarcação da circulação, quem pode circular
na universidade, quem pode circular num bairro de classe alta ou no shopping.
Usar a questão da raça como uma tecnologia política. As cotas raciais são tão combatidas
porque são disfuncionais à esta tecnologia.
Raça como Comunidade:
·
Negro é separado de sua essência: O negro
tem que se ver num lugar onde ele não queria estar, afastado de suas tradições
e valores ascendentes. O espaço da raça acaba sendo um lugar de proteção. É onde
ele encontra a comunidade, o que é comum a ele. É onde ele encontra o que vive
uma vida parecida com a dele, é um espaço de afeto, aqui ele pode se auto
recriar, e se ressignificar. Sendo a raça uma tecnologia de diferenciação é
também uma forma de existir, “aquele a quem é atribuído uma raça não é passivo”,
diz Mbembe, porque ele vai ter que criar, reinventar um espaço para sobreviver
e se adaptar ao mundo! Na comunidade ele encontra um lugar de proteção e
partilha do afeto, se sente igual e humano, de certa forma se empodera para “enfrentar”
o mundo e seguir com sua vida.
Como o
Direito e a Educação podem intervir no combate ao racismo?
Um ensino juvenil contra hegemônico é reformular o ensino
jurídico. a perspectiva do não ser e do
não lugar, o que o direito tem a ver com isso e como ele pode contribuir para a
transformação social a partir disso.
Observações a teoria de Aquille Mbembe:
Vemos nos países da antiga União Soviética que não eram capitalistas
e nem viveram o neoliberalismo o racismo com algo natural. A Rússia tem racismo
assumido, além de discriminação de gênero. A Ucrânia, Georgia e a Bielo-Rússia
não são diferentes, para citar só as quatro repúblicas mais importantes da
antiga URSS.
Na China existe discriminação entre as etnias Uigur e Han sendo
a Han mais numerosa e mais poderosa pois tem representantes no governo chinês.
Existem muitas vezes conflitos que levam a muitas mortes e não podem ser
apontados como influenciados pelo capitalismo.
Nos ex países socialistas da chamada “cortina de ferro” a Tchecoslováquia
do marechal Tito, por sinal um admirável líder, logo após a sua morte e após a
crise do bloco socialista dos anos 80 apresentou conflitos pelas diferenças
entre Tchecos e Eslovacos que deu origem pacífica à duas repúblicas.
A Iugoslávia, também socialista, devido a diferenças
linguísticas, religiosas e étnicas se transformou em seis repúblicas - Eslovênia, Croácia, Sérvia,
Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia. Em alguns casos houve sangrentos
conflitos.
Mais tarde,
criou-se uma sétima Kosovo que se separou da Sérvia ao custo de muitas vidas, e
só se tornou independente após intervenção da ONU ocorrida depois de uma limpeza
étnica feita pelos Sérvios contra os albaneses que eram a maioria da população.
Estima-se que foram mortos 90% da população albanesa do Kosovo.
O que estamos
discutindo aqui é que esses conflitos étnicos e raciais não tem relação nenhuma
como o capitalismo, nem com a sua versão mais perversa, o neoliberalismo. Essas
diferenças têm origem antiga e esses países até então não tinham vivência em uma
sociedade neoliberal.
É importante dizer
com uma clareza meridiana, que não se trata de defender o neoliberalismo. Ao contrário, o
neoliberalismo é como se fosse uma lepra que onde passa deixa feridas profundas
e que apodrece o corpo, mas de fazer uma reflexão profunda sobre conflitos e
discriminação étnicos e raciais e sua relação ou não com o sistema capitalista,
imperialista.
Na Inglaterra não havia escravidão, nem negros, mas condições
análogas à escravidão, exploravam até mão de obra infantil, o trabalhador
entrava de madrugada na fábrica e quando saia não tinha mais luz do sol, situação
mostrada no filme “Germinal”.
Na Revolução o século 17, limitou os poderes do monarca, deu
poder ao parlamento e gerou a formação dos direitos civis com base para o fortalecimento
da Inglaterra. Mas, demorou para reconhecer os direitos sociais e a cidadania com
dignidade para todos. E lá, são todos brancos.
No Brasil, minha mãe – Cynira De Fiori - fará 95 anos em
fevereiro de 2022, foi operária numa fábrica de tecelagem em Campinas no final
da década de 30, começo dos anos 40, até a CLT com Getúlio Vargas, trabalhava
10 horas por dia (homens 14 horas), aos sábados até as 16 horas, sem férias, 13º
ou outros direitos. Ela era branca, bem branca, descendente de italianos.
Portanto, o capitalismo antes de ser racista é um sistema de
classes, de exploração do homem pelo homem, independente de raça, cor, gênero
ou religião, onde se aliena o ser humano de si mesmo para servir os donos do
capital (banqueiros, investidores, industriais, proprietários de empresas). O povo independente de raça, mantém a superestrutura
que sustenta o sistema.
Tanto na Inglaterra, como no Brasil e, em outros países
ocidentais majoritariamente brancos as questões sociais eram tratadas como
casos de polícia, inclusive questões sindicais. Óbvio os negros sofriam mais e eram
mais discriminados porque além de serem classe trabalhadora eram também negros.
Mas, toda classe trabalhadora e o povo pobre era oprimido.
Um outro aspecto que se relaciona com o racismo e com o
preconceito é a experiência de vida e o “pré-conceito” (escrito assim mesmo
para dar efeito e compreensão), para explicar isso, com exemplos familiares. O pré-conceito
se resolve com a convivência e conhecimento do outro.
Meu tio avô, - Ivan, que teve papel de avô na minha vida –
era racista, não por causa do sistema capitalista, mas pela experiência que
teve na vida com pessoas negras, dizia que os negros tinham raiva da gente que
era branco e, queriam nos prejudicar. Quando tinha 10 anos, um negro adulto
tentou machucá-lo, arremessando no trabalho uma barra de ferro contra ele.
Já meu pai – Rubão – trabalhava para o governo estadual no
Instituto agronômico, era eletricista de carros, tinha no trabalho um amigo, “seo”
Alcides, seu melhor amigo, que era negro e achava o racismo uma grande bobagem.
Mas, sem perceber tinha um discurso racista, pois dizia que “o Alcides é um
negro de alma branca. E, tinha também outros amigos negros de bar.
Eu, desde crianças
convivi com outras crianças, muitas crianças, algumas negras. Nunca consegui
ver diferença entre mim e eles por causa da cor. Joguei num time infantil da
escola onde eu era o terceiro melhor, onde os dois melhores eram negros e, eu
os admirava. A diferença que lembro em minha escola na infância era entre os
mais “pobres” e os mais “ricos”, considerados “metidos”.
Mesmo assim, é importante
reconhecer na teoria de Mbembe que sem a escravidão o capitalismo não se
realizaria e não se consolidaria, ao menos, nas Américas. O racismo era uma
forma de justificar a escravidão e graças a escravidão se constitui riqueza
para alguns homens brancos e para os Estados americanos.
Segundo Mbembe,
ó negro é de fato o elemento central que, ao memo tempo que permite criar através
das plantações, uma das formas mais eficazes de acumulação de riqueza na época,
acelera a implantação do capitalismo mercantil, do trabalho mecânico e do controle
do trabalho subordinado.
Quando libertos
os negros não receberam nenhum tipo de reparação, seja moral, financeira ou em
terras para poderem morar, plantar, sobreviver e prosperar. Passaram a se constituir
nos novos pobres das nações americanas, por isso até hoje podemos ver seus
descendentes sofrerem as consequências do período da escravidão.
A poderosa
ideologia do sistema capitalista aliena as pessoas de seus valores e de suas
raízes, não só brancos, mas negros também. Lembro aqui uma passagem do livro “Memórias
Póstumas de Brás Cubas” onde um negro liberto adquiriu um escravo e o estava
castigando. E, essa ideologia, ainda mais poderosa hoje com o auxílio dos meios
de comunicação de massa.
Texto-base:
MBEMBE,
Achille. Crítica da razão negra. Lisboa:
Antígona, 2014. [Cap. 1: “A questão da raça”, p. 25-74]
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