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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

 

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO – UNESP

FACULDADE DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS – FCHS

CURSO DE DIREITO – CAMPUS DE FRANCA

DISCIPLINA: SOCIOLOGIA DO DIREITO II

PROFESSOR: DOUTOR AGNALDO DOS SANTOS BARBOSA

Aluno: Rubens Chioratto Junior

Reg. Acadêmico: 211 222 526

 

 

 

O DIREITO EM FACE DO RACISMO: UMA INTERPRETAÇÃO A PARTIR DO SUL

 

            O racismo consiste num conjunto de práticas que se recusam aceitar a igualdade entre os seres humanos. O princípio e o tema raça, segundo o autor “foi instaurado sob o signo do capital e isto é o que distingue o tráfico negreiro de outras formas de servidão”. (p.31). Depois do tráfico negreiro o plantation, criaram o panorama para a criação do conceito de raça e preconceito, enfim, do racismo. Segundo o professor Agnaldo a questão da raça é uma das questões mais incompreendidas seja na Europa, seja no Brasil.

Achille Mbembe é um filósofo camaronês que faz a abordagem do racismo a partir da África e da condição de africano e de negro. Para ele a intersecção de raça e classe é inseparável para ele e, principalmente a opressão de um sistema que define e que molda o lugar que a raça tem na dominação capitalista. Além de filosofo, é historiador autor de muitos livros publicados no brasil relacionados ao racismo e um pequeno ensaio intitulado política.

A produção intelectual de Achille Mbembe está associada a visão decolonial. A partir do conceito de raça, o princípio organizador de todo o sistema capitalista que Mbembe procura compreender a humanidade

 

//O devir-negro do mundo

O cientista político camaronês Achille Mbembe (Foto: Manuel Braun)

Defende ele que o conceito de raça é princípio organizador de todo o sistema capitalista na sua fase primária que é caracterizada como acumulação primitiva do capital

Dentro do projeto político de Mbembe, tem contribuído para a mobilização no mundo a imagem que rodou o mundo de um policial asfixiando um negro em Minnesotta por oito minutos, mesmo havendo pedidos de compaixão. Isso colocou o racismo como uma questão central na humanidade, havendo manifestações conjuntas para combater essas práticas.

Colocam o negro num eterno lugar de subalterno e vítima, negando suas potencialidades. É necessário avançar não só na questão racial, mas no destino do mundo, a luta é pela emancipação das pessoas.

Mbembe propõe construir uma coalizão interdisciplinar em torno do combate ao racismo, pois enfatiza que o racismo é uma criação histórica, a partir de relações de poder e tem como objetivo a subjugação de grupos racializados devido a necessidade da legitimação de grupos raciais em relação a outros.

A partir da longa duração, Mbembe divide a modernidade em três momentos:

XV a XIX = acumulação primitiva do capital escravidão; esvaziamento de homens e mulheres (de lugar, de nome, de língua)

XIX à XX = teve a revolução do Haiti, inspirada na revolução francesa, o Haiti rompeu com a França, aboliu a escravidão, expropriou propriedades dos brancos (e paga o preço de tudo isso até hoje), marcado também pelos direitos civis dos negros americanos e, também desmoronamento do Apartheid na África do Sul.

Início do século XXI com a privatização do mundo e globalização dos mercados sobre a égide do neoliberalismo, e da crescente complexificação da economia financeira, do complexo militar pós imperialismo, após a guerra fria, a com a especificação das tecnologias digitais.

Segundo Mbembe o negro foi uma invenção dos europeus com o objetivo de internalizar a inferioridade e legitimar a dominação.

Uma imagem contendo pessoa, ao ar livre, homem, preparando

Descrição gerada automaticamente

 

No capítulo 1 a questão da Raça (p. 25 – 74) do livro “Crítica da Razão Negra” existe alguns conceitos:

·         Alterocídio: É constituir o outro como algo ameaçador e não como semelhante a si mesmo, ao que é preciso proteger-se ou destruí-lo caso dele não tenhamos controle total, é a morte o apagamento da figura do elemento negro;

·         Consciência produzida externamente: a razão pura ela vem de fora, ela não é expressa pelo negro; ela é criado pelo europeu que se achava o mundo civilizado e o que estava fora de seus conceitos de civilização era selvagem. O diferente do conceito europeu de vida é o divergente, “o poder puro do negativo” (p.28), nas palavras de Mbembe. Não é feita pelo negro, é a fabricação da racionalidade a partir da consciência do ocidente, a partir do branco e a partir dos interesses do capital.

·         Efabulação: Quando o Mbembe fala da efabulação, é uma razão de fábula (animal tem características humanas), é apresentar sobre o negro coisas irreais, imaginárias, como se fossem reais. É sobre o negro e não a partir ou criada pelo negro. O que se refere ao negro é sempre algo inventado como uma fábula, seja pela igreja, seja pela ciência, como uma forma de animalizar; o que é uma forma de desumanização. É por isso que essa razão negra carrega a ideia de inexistência, de ausência, porque se não é humana, não está dentro dos critérios do ocidente. Deixa o negro semelhante aos animais, aos rebanhos, aos maquinários, mas não iguais a nós brancos e humanos. No contexto de efabulação o negro é o perigo, o selvagem, o que causa medo; é o complexo psiconírico, um complexo que causa medo, aflição, trauma.

·         Enclausuramento do Espírito: Espírito igual a consciência, racionalidade, a cognição, o conhecimento, nisto o negro fica enclausurado. E na África, fica a imagem de que foi só objeto de extração, de uma exploração brutal e que nunca mais nada ali aconteceu. Mas, aconteceu, ciência, literatura, arte etc.; diz Mbembe, “efetivamente, uma vez indicados e classificados os gêneros, as espécies e as raças, nada mais resta senão indicar através de quais diferenças eles se distinguem uns dos outros.” (p.38)

·         Inexistência/Ausência: É no sentido de não entendermos nas relações sociais esse negro como ele é. Ele simplesmente representa o não ser, enquanto a África o não lugar. Essa inexistência da negritude se constitui tendo o branco como o humano universal, tentando, inclusive, branquear tudo que é negro; segundo Mbembe “a noção de raça permite que se representem as humanidades não europeias como algo menor....... Falar delas é assinalar uma ausência ... ou ainda, uma presença segunda, a presença de monstros e de fósseis” (p. 39).

·         Dessubjetivação: É tirar a possibilidade do negro ser e se sentir um indivíduo humano; m exemplo disso é a incapacidade jurídica do negro escravo, “a ele não era permitido apelar a tribunais, o que do ponto de vista jurídico o transforma em uma não pessoa” (p.42), segundo Mbembe.

·         Desumanização: crime de homofobia colocou na perspectiva de crime de racismo, percebe a consonância disso lendo Achille Mbembe e tem consonância porque [e a negação a racialização é construir a desumanização do outro, a desumanização é construir o outro como a negação da existência. Esse vai ser o eixo da luta de classe e mesmo aquele que é branco vai ver no negro alguém a ser superado, a ser enfrentado. Racismo tem a ver com neoliberalismo e capitalismo. Algumas corporações dizem que querem ver mais negros em cargos de liderança, é o negro se branqueando para ser a existência, se sentir participante, ser alguém que faça sentido dentro da engrenagem.

Raça e classe: Essa invenção do negro e do racismo é algo essencial

·         Racialização da servidão: É justamente a maneira de dar a classificação, sobre quem vai servir e quem vai dirigir. O negro era o último degrau, era lutar para não descer. Deixar que aquela parte da humanidade continue ali e você sendo branco ficar um degrau acima. É a luta de classe dentro da própria classe, com a característica racial.

·         Invenção do negro/invenção do capitalismo: Essencial para a acumulação, essa ciência a serviço da acumulação conquista o mundo transformando uma massa em não humanos. A invenção do negro é essencial para o capitalismo. Sem o negro o capitalismo não existiria da forma como é. Trata-se de inventar o negro como uma anormalidade, o que serve para manter os alicerces da reprodução do seu sistema de dominação.

·         Escravidão e acumulação primitiva: o capitalismo só foi possível segundo o autor pela acumulação primitiva do capital feita na época da escravidão graças aos negros escravizados que trabalhavam nas plantações. Dessa época e acumulação da riqueza, foi viabilizado o capitalismo e a necessidade da criação do estigma de raça.

Raça e Política:

·         Santuarização: É colocar cada um no seu lugar, delimitar territórios para evitar ameaças dos diferentes. Montar um local seguro, um santuário para as “pessoas de bem” viverem em paz. Esse conceito ficou fácil de entender e foi muito presente depois dos atentados muçulmanos contra os Estados Unidos.

·         Biopoder/biopolítica: Recuperando a visão do Foucault do biopoder sobre o controle e disciplinamento de corpos é essencial para o poder. E, no casso do negro ainda mais, para as pessoas não se sentirem infringidas pelo medo e se sintam ameaçadas. Assim, os brancos pobres, podem sentir certa superioridade – e, não se revoltarem contra o sistema - porque podem mais que os negros, estão um degrau acima, são “melhores” numa visão mesquinha, porém muito eficiente para regular os comportamentos dentro do sistema capitalista.

·         Hiper vigilância/Controle: Esses corpos negros têm que estar disciplinados e territorializados também, ou seja, onde podem estar e até onde podem ir. Um exemplo são esses que estão na mídia, nos telejornais. Será que vai aumentar a participação dos negros ou é uma espécie de “cota”, só entra outro a hora que esse sair, porque o espaço para o negro é só aquele mesmo.

 

Raça como Diferenciação:

·         Legitimação do estigma: Uma epiderme diferente possibilita o estigma. Gera uma classificação, uma demarcação, uns para lá e outros para cá. Ex.: há uma demarcação da circulação, quem pode circular na universidade, quem pode circular num bairro de classe alta ou no shopping. Usar a questão da raça como uma tecnologia política. As cotas raciais são tão combatidas porque são disfuncionais à esta tecnologia.

Raça como Comunidade:

·         Negro é separado de sua essência: O negro tem que se ver num lugar onde ele não queria estar, afastado de suas tradições e valores ascendentes. O espaço da raça acaba sendo um lugar de proteção. É onde ele encontra a comunidade, o que é comum a ele. É onde ele encontra o que vive uma vida parecida com a dele, é um espaço de afeto, aqui ele pode se auto recriar, e se ressignificar. Sendo a raça uma tecnologia de diferenciação é também uma forma de existir, “aquele a quem é atribuído uma raça não é passivo”, diz Mbembe, porque ele vai ter que criar, reinventar um espaço para sobreviver e se adaptar ao mundo! Na comunidade ele encontra um lugar de proteção e partilha do afeto, se sente igual e humano, de certa forma se empodera para “enfrentar” o mundo e seguir com sua vida.

 

Como o Direito e a Educação podem intervir no combate ao racismo?

Um ensino juvenil contra hegemônico é reformular o ensino jurídico.  a perspectiva do não ser e do não lugar, o que o direito tem a ver com isso e como ele pode contribuir para a transformação social a partir disso.

 

Observações a teoria de Aquille Mbembe:

Vemos nos países da antiga União Soviética que não eram capitalistas e nem viveram o neoliberalismo o racismo com algo natural. A Rússia tem racismo assumido, além de discriminação de gênero. A Ucrânia, Georgia e a Bielo-Rússia não são diferentes, para citar só as quatro repúblicas mais importantes da antiga URSS.

Na China existe discriminação entre as etnias Uigur e Han sendo a Han mais numerosa e mais poderosa pois tem representantes no governo chinês. Existem muitas vezes conflitos que levam a muitas mortes e não podem ser apontados como influenciados pelo capitalismo.

Nos ex países socialistas da chamada “cortina de ferro” a Tchecoslováquia do marechal Tito, por sinal um admirável líder, logo após a sua morte e após a crise do bloco socialista dos anos 80 apresentou conflitos pelas diferenças entre Tchecos e Eslovacos que deu origem pacífica à duas repúblicas.

A Iugoslávia, também socialista, devido a diferenças linguísticas, religiosas e étnicas se transformou em seis repúblicas - Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Macedônia. Em alguns casos houve sangrentos conflitos.

Mais tarde, criou-se uma sétima Kosovo que se separou da Sérvia ao custo de muitas vidas, e só se tornou independente após intervenção da ONU ocorrida depois de uma limpeza étnica feita pelos Sérvios contra os albaneses que eram a maioria da população. Estima-se que foram mortos 90% da população albanesa do Kosovo.

O que estamos discutindo aqui é que esses conflitos étnicos e raciais não tem relação nenhuma como o capitalismo, nem com a sua versão mais perversa, o neoliberalismo. Essas diferenças têm origem antiga e esses países até então não tinham vivência em uma sociedade neoliberal.

É importante dizer com uma clareza meridiana, que não se trata de defender   o neoliberalismo. Ao contrário, o neoliberalismo é como se fosse uma lepra que onde passa deixa feridas profundas e que apodrece o corpo, mas de fazer uma reflexão profunda sobre conflitos e discriminação étnicos e raciais e sua relação ou não com o sistema capitalista, imperialista.

Na Inglaterra não havia escravidão, nem negros, mas condições análogas à escravidão, exploravam até mão de obra infantil, o trabalhador entrava de madrugada na fábrica e quando saia não tinha mais luz do sol, situação mostrada no filme “Germinal”.

Na Revolução o século 17, limitou os poderes do monarca, deu poder ao parlamento e gerou a formação dos direitos civis com base para o fortalecimento da Inglaterra. Mas, demorou para reconhecer os direitos sociais e a cidadania com dignidade para todos. E lá, são todos brancos.

No Brasil, minha mãe – Cynira De Fiori - fará 95 anos em fevereiro de 2022, foi operária numa fábrica de tecelagem em Campinas no final da década de 30, começo dos anos 40, até a CLT com Getúlio Vargas, trabalhava 10 horas por dia (homens 14 horas), aos sábados até as 16 horas, sem férias, 13º ou outros direitos. Ela era branca, bem branca, descendente de italianos.

Portanto, o capitalismo antes de ser racista é um sistema de classes, de exploração do homem pelo homem, independente de raça, cor, gênero ou religião, onde se aliena o ser humano de si mesmo para servir os donos do capital (banqueiros, investidores, industriais, proprietários de empresas).  O povo independente de raça, mantém a superestrutura que sustenta o sistema.

Tanto na Inglaterra, como no Brasil e, em outros países ocidentais majoritariamente brancos as questões sociais eram tratadas como casos de polícia, inclusive questões sindicais. Óbvio os negros sofriam mais e eram mais discriminados porque além de serem classe trabalhadora eram também negros. Mas, toda classe trabalhadora e o povo pobre era oprimido.

Um outro aspecto que se relaciona com o racismo e com o preconceito é a experiência de vida e o “pré-conceito” (escrito assim mesmo para dar efeito e compreensão), para explicar isso, com exemplos familiares. O pré-conceito se resolve com a convivência e conhecimento do outro.

Meu tio avô, - Ivan, que teve papel de avô na minha vida – era racista, não por causa do sistema capitalista, mas pela experiência que teve na vida com pessoas negras, dizia que os negros tinham raiva da gente que era branco e, queriam nos prejudicar. Quando tinha 10 anos, um negro adulto tentou machucá-lo, arremessando no trabalho uma barra de ferro contra ele.

Já meu pai – Rubão – trabalhava para o governo estadual no Instituto agronômico, era eletricista de carros, tinha no trabalho um amigo, “seo” Alcides, seu melhor amigo, que era negro e achava o racismo uma grande bobagem. Mas, sem perceber tinha um discurso racista, pois dizia que “o Alcides é um negro de alma branca. E, tinha também outros amigos negros de bar.

 Eu, desde crianças convivi com outras crianças, muitas crianças, algumas negras. Nunca consegui ver diferença entre mim e eles por causa da cor. Joguei num time infantil da escola onde eu era o terceiro melhor, onde os dois melhores eram negros e, eu os admirava. A diferença que lembro em minha escola na infância era entre os mais “pobres” e os mais “ricos”, considerados “metidos”.

Mesmo assim, é importante reconhecer na teoria de Mbembe que sem a escravidão o capitalismo não se realizaria e não se consolidaria, ao menos, nas Américas. O racismo era uma forma de justificar a escravidão e graças a escravidão se constitui riqueza para alguns homens brancos e para os Estados americanos.

Segundo Mbembe, ó negro é de fato o elemento central que, ao memo tempo que permite criar através das plantações, uma das formas mais eficazes de acumulação de riqueza na época, acelera a implantação do capitalismo mercantil, do trabalho mecânico e do controle do trabalho subordinado.

Quando libertos os negros não receberam nenhum tipo de reparação, seja moral, financeira ou em terras para poderem morar, plantar, sobreviver e prosperar. Passaram a se constituir nos novos pobres das nações americanas, por isso até hoje podemos ver seus descendentes sofrerem as consequências do período da escravidão.

A poderosa ideologia do sistema capitalista aliena as pessoas de seus valores e de suas raízes, não só brancos, mas negros também. Lembro aqui uma passagem do livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” onde um negro liberto adquiriu um escravo e o estava castigando. E, essa ideologia, ainda mais poderosa hoje com o auxílio dos meios de comunicação de massa.

 

 

Texto-base:

 MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Lisboa:

Antígona, 2014. [Cap. 1: “A questão da raça”, p. 25-74]

 


aluno: Rubens Chioratto Junior  RA 211 222 526

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