O direito é um campo do conhecimento e pilar da estruturação da sociedade extremamente orgânico e mutável, sendo impossível desvincular ele dos valores, costumes e tradições dos povos que o utilizam. Desta forma é possível e lógico classifica-lo como uma verdadeira esponja, constantemente absorvendo influências externas e sendo assim moldado por elas. Na medida em que o direito é alterado pelos valores de um dado povo em um dado local, altera-se também a forma como o direito funciona para diferentes culturas, etnias, religiões e raças. Isso naturalmente gera consequências para todos os pertencentes a estas categorias, pois sua relação com o direito muda fundamentalmente. O Brasil, por exemplo, por ter um longo e cruel passado escravocrata, cujas consequências geram profundas marcas até hoje, naturalmente tem sua aplicação do direito influenciada por este fenômeno. Desta maneira, minorias raciais como os indígenas, pardos e pretos tem uma relação diametralmente diferente com o direito (e por consequência o poder judiciário) do que a parcela branca da população.
Até o final do século dezenove para tanto os olhos do judiciário quanto para uma parcela considerável da sociedade, negros escravizados eram vistos como não mais que uma mercadoria, indignos dos direitos humanos mais básicos. É importante ter em mente que o fim da escravidão não deu fim a esta visão retrógrada, com a visão de um ser inferior ainda sendo projetada sobre os negros recém-libertos. Com a justiça não foi diferente, com esta visão permeando uma diferença de modus operandi para réus brancos e negros. Com o passar das décadas houve progressos e a situação sem dúvidas melhorou. Isto está longe de significar, no entanto, que ela está perto do ideal. Pelo contrário, está longe. Sendo ainda possível escancarar como a raça de um indivíduo é fundamental para como será a relação deste com o direito brasileiro. São inúmeros os casos que demonstram essa diferença, seja pessoas brancas conseguindo penas demasiadamente brandas ao cometer o crime de racismo (como o morador de um condomínio em Valinhos que nem sequer ficou preso ao ser racista com um motoboy negro), ou pessoas negras ao cometerem crimes como tráfico recebendo penas totalmente desproporcionais (como o caso do Rafael Braga, condenado a onze anos de prisão por portar pinho de sol).
Portanto, teço o final deste texto respondendo a pergunta que o norteia. Sim, para o direito a questão da raça importa, uma vez que o direito não se separa das questões sociais de um país e o Brasil permanece e abraça o legado discriminatório e exclusivo da escravidão. Não apenas importa, como é crucial. Importando de maneira positiva se a pessoa for branca e de maneira negativa se for negra. Assim funcionou no Brasil desde seus primórdios e assim funcionará por muito tempo. Enquanto as estruturas de opressão e marginalização que o capitalismo possibilita não forem superadas, a raça será benéfica para alguns e maléfica para outros em sua relação com o direito.
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