Para responder se a questão da raça é importante para o direito, é possível recorrer a reflexões desenvolvidas por Achille Mbembe a respeito da definição e do surgimento do conceito de raça, especialmente voltada para o primeiro momento da modernidade, entre os séculos XV e XIX. Esse período é caracterizado pela acumulação primitiva de capital dos países europeus, assentados na exploração da população africana. Um aspecto marcante desse momento para a concepção atual de raça é a criação de uma distinção entre brancos e negros para internalizar a inferioridade e legitimar a exploração dos povos africanos, de modo a justificar a destituição de inúmeros africanos de suas terras, de suas línguas e de seus nomes para ser comercializados como objetos em países desconhecidos. Nesse momento, o próprio sistema de normas legitimava e era responsável por esse processo.
A partir do século XXI, com a globalização, o sistema neoliberal promoveu uma corrente de privatizações. Nesse contexto, foi criado um ambiente em que a raça negra deixou de ser exclusivamente a condição a que africanos foram submetidos desde o primeiro momento da modernidade. Porém, é destacada por Mbembe a importância de promover a autossuficiência do continente africano, de transformar a África em referência para os seus descendentes ao redor do mundo todo; segundo o autor, a única forma de combater o racismo é essa, resgatando a narrativa histórica desse continente, frequentemente apagada do modelo eurocêntrico de educação e direito.
Além disso, movimentos como o recentemente eclodido, “Vidas Negras Importam” também são essenciais para combater a violência sistêmica contra a população negra, além do investimento na saúde e na educação desse grupo. Segundo a análise do autor, o assassinato de George Floyd foi um reflexo da violência que os países que apresentam um histórico escravocrata passaram, dentre inúmeros outros eventos que não ganharam a mesma visibilidade. Esses movimentos nos EUA são um prolongamento da luta por direitos civis nos anos 60, na época em busca de cidadania, e hoje em busca do fim da violência.
Em uma última análise, é importante destacar quando Mbembe diz que a partir do momento em que a Europa deixa de ser o centro do mundo e, em vez disso, começamos a refletir sobre o mundo a partir do continente africano, novas possibilidades para o pensamento crítico são abertas. Nesse sentido, sob a perspectiva eurocêntrica vigente, e associando essa ideia também àquela desenvolvida por Sara Araújo -sobre a necessidade de desafiar o cânone hegemônico através da valorização das outras formas de direito desenvolvidas para além do molde ocidental, pode-se dizer que a concepção hegemônica do direito nao aborda a questão racial da maneira como deveria, como uma problemática real e que afeta todas as relações sociais. Isso só é concebível a partir do momento em que a hegemonia eurocêntrica for desafiada.
Ana Clara Alves Gasparotto - Direito Matutino - 2º semestre (Turma XXXVIII)
Nenhum comentário:
Postar um comentário