Iconografia brasileira e a
inviabilidade da perspectiva culturalista
É muito comum no Brasil, diante de momentos de crise
política ou econômica, culpabilizar um aspecto cultural supostamente inerente
ao brasileiro, sempre associado à malandragem e à passionalidade irremediáveis.
Mais do que isso, qualquer pequena infração presenciada no dia a dia já remete
a ideias já bem arraigadas no imaginário nacional, como o famigerado “jeitinho
brasileiro”. Entretanto, para não incidir (de acordo com a visão de Jessé e com
raízes em elementos de Weber) na análise culturalista, é necessário perceber a
influência dos agentes sociais como o mercado e o Estado na perpetuação de concepções
caricatas sobre o brasileiro.
A princípio, faz-se interessante pontuar sobre o conceito de
jeitinho brasileiro, que nasceu atrelado à concepção de Sérgio Buarque de
Holanda (Raízes do Brasil, 1936) e ao seu “homem cordial”. Cordialidade, aqui,
não se trata de ser bondoso e amável, mas sim de explorar as diversas relações
sociais se pautando em pulsações e paixões, em detrimento da racionalidade, o
que poderia inclusive levar à violência na prática. Apesar de ter um lado
proveniente da Academia, a expressão do jeitinho brasileiro foi popularizada
até o ponto de ser algo que dispensa maiores explicações. Sua presença se faz desde
no meio político, em escândalos de corrupção, até situações de “furar” a fila
ou “colar” em uma prova. Trata-se quase de uma justificativa para ações com
tendência amoral e frequentemente acaba sendo aceita, pois, afinal, o jeitinho
seria inevitável na cultura nacional, certo?
O sociólogo contemporâneo Jessé de Souza tenta mostrar o
contrário, ao pontuar que conceber aspectos estáticos na cultura consiste em
retirar dela a sua dinamicidade geradora de transformações na forma de pensar e
agir ao longo do tempo. Portanto, tal visão de que a cultura é fechada em si
mesma e de que não está submetida às influências mercadológicas e estatais se
encontra ultrapassada no campo das ciências humanas, tal como o determinismo,
que preconizava os caracteres de um povo como sendo definidos por fatores de
geografia física e, que, portanto, também culminava em uma concepção estática
do desenvolvimento. Assim, na realidade, se a lógica de pensamento do jeitinho
brasileiro, por exemplo, acabou se mantendo, não seria devido a uma herança
patrimonialista imutável recebida na colonização (análise culturalista) e muito
menos devido ao que alguns acreditam ainda hoje, fatores geográficos e
climáticos (análise determinista). Em vez disso, a sua aparente preservação seria
por influências propagandísticas de agentes do mercado e do Estado a fim de
manter esse ideário, por ser vantajoso para interesses pessoais ou coletivos de
autopromoção.
No campo do mercado (imagem 1), principalmente no setor turístico, a
fim de manter uma imagem caricata e atraente do Brasil, é sustentada essa
imagem do país tropical no qual tudo é possível e sem consequências em termos
de comportamento, apelando para o aspecto sexual, muitas vezes. É interessante
perceber a sua distância da realidade, já que é um recorte muito idílico do que
de fato é o Brasil, como mostra o seguinte trecho:
"Como você acha que vivemos no Brasil?
Pendurado com os macacos nas praias do Rio?
Como você acha que vamos para nossas escolas?
Escalando em nossos leões nas avenidas de terra?"
(Brazil – O Terno)
Já no caso do Estado, talvez o exemplo propagandístico mais famoso
seja o da utilização do futebol e da vitória na Copa de 1970 como instrumento
político na época da ditadura militar para favorecer a alienação diante dos avanços
da desigualdade no país (imagem 2). Dessa forma, o Estado não enfrentava com seriedade as
mazelas que atingiam a população e perpetuavam no estrangeiro a máscara de um
povo sempre contente, que acaba encontrando um “jeitinho” para qualquer
situação, afinal, conseguimos a vitória na copa e “não há motivos para a população
se afligir”. Exceto que havia: os níveis preocupantes de pobreza e fome que
assolavam o Brasil. Finalmente, como na análise weberiana é importante focar no
comportamento dos indivíduos mesmo quando se trata de entes coletivos, finaliza-se
com uma observação de que o Estado, aqui, ao mesmo tempo em que divulgava uma
imagem atrelada ao jeitinho, o praticava em sua forma de (des)governar o país,
visto que vários indivíduos e grupos que participavam das estruturas de poder
simplesmente se vendavam voluntariamente a esses problemas escandalosos daquele
momento histórico.
Imagem 1: iconografia brasileira na publicidade
Imagem 2: charge de Ziraldo sobre a instrumentalização do
futebol na ditadura
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