É de se notar, ao longo do desenvolvimento do estudo
sociológico, as distintas formas como diversos cientistas sociais tentaram
sistematizar o estudo de uma ciência até então nova e, portanto, carente de
métodos de pesquisa. Desde a criação da sociologia por Comte, ao formular seu
método positivista, até a criação do funcionalismo de Durkheim, a sociologia
baseava-se nas outras ciências, sobretudo nas naturais, muito bem estabelecidas
nas universidades. Essa abordagem inicial do estudo sociológico esteve muito
amparada no já mencionado positivismo, que afirmava categoricamente ser possível
realizar uma análise sistemática do fenômeno social, adquirindo, mediante a
observação dos fatos, a verdade referente ao objeto de estudo. Durkheim,
sociólogo amplamente inspirado no positivismo de Comte, dizia que o fato
social, o principal objeto do estudo da sociologia, tinha de ser entendido como
coisa, ou seja, como algo concreto e, portanto, passível de compreensão
mediante observação e análise, essa que seria objetiva e neutra, como bem dizia
os positivistas.
No entanto, com o
passar do tempo, e com a evolução do estudo da sociologia, percebeu-se que uma
simples e dita análise objetiva do fenômeno social não era o suficiente para se
compreender a realidade circundante. Pelo contrário, os sociólogos passaram a
julgar o objeto de estudo da sociologia como algo impossível de se entender
mediante uma metodologia “infestada” pela abordagem das outras ciências. O que
o positivismo tanto fez, ao defender a existência de fatos observáveis, e ao
relacionar a ciência social com as ciências exatas e naturais, já não era mais
tão aprazível ao estudo sociológico. Nesse contexto, Max weber desenvolve a sua
metodologia, pautada em requisitos que levaram em consideração toda essa
complexidade da realidade, e que não ignorou as dificuldades concernentes ao estudo
do fenômeno social.
Primeiramente, cabe
apontar a grande diferença entre a abordagem de Weber com as abordagens antes
presenciadas no estudo da sociedade, que é a impossibilidade de ser imparcial,
algo que weber defende veementemente. Entretanto, isso não impede com que o
sociólogo possa entender o meio social, mas não é algo tão simples quanto os
positivistas pregavam. Isso se dá, pois, todo ser humano carrega consigo
interpretações pessoais do mundo, que nunca são totalmente superadas, mesmo
pela sua tentativa ativa de suspendê-las. Weber, então, defende que é
necessário criar, ao se estudar a sociedade, tipos ideias, modelos idealizados
que representem aquilo que, embora não seja real, é possível de se concretizar.
Trata-se de uma forma didática de organizar objetivamente a análise do fenômeno
social, porém não falseando a realidade, e muito menos adotando a prepotente
posição positivista de entendimento do que é “observável”.
Weber também
diferenciou-se da sociologia operante anteriormente ao definir como principal
objeto de estudo sociológico a ação social. Diferentemente do fato social, proposto
por Durkheim, a ação social é realizada pelos indivíduos em relação a outros, uma
interação recíproca caracterizada não como algo externo nem necessariamente
coercitivo, mas tendo em vista a ação de outro indivíduo. A ação social são os
atos tomados pelas pessoas mediante comportamentos, tendo finalidades
variáveis, sendo tanto racionais quanto irracionais. Temos vários motivos
diferentes para engendrarmos nossas ações, seja pelo costume que seguimos,
pelos sentimentos que nutrimos, pela finalidade que objetivamos alcançar, ou
pelos valores que temos conosco e que nos movem a certos atos. Tudo isso é
levado em consideração ao se analisar o fenômeno social, sendo essas ações
sociais, inclusive, tipos ideais, uma vez que, devido a complexidade de nossa
realidade, seria impossível categorizar todos os tipos de ações que tomamos em
nossas relações interpessoais.
Tendo em vista essas
considerações, é perceptível o que Weber desejava em seus estudos, não
representar a sociedade perfeitamente, e todas as relações contidas nela, mas
sim estabelecer formas de, didaticamente, simplificar e categorizar fenômenos
que, passíveis de ocorrência, facilitem o entendimento desse tão intricado e
difícil objeto de estudo. A sociologia compreensiva desse pensador é formulada
nesse sentido, abandonar os antigos vícios aparentes no estudo sociológico,
adotando uma abordagem consciente das limitações do entendimento humano e da
complexa trama social, impossível de ser objetivamente contemplada, a não ser
por simplificações propositadamente criadas para facilitar o seu entendimento.
Ao se deparar com essa
abordagem weberiana da sociologia, Jessé Souza estabelece aquilo que seria a
sociologia compreensiva utilizada no sentido de entender a realidade
brasileira. Essa relação entre ambos os autores é evidente, pois Jessé, assim
como Weber em seu tempo, distanciou-se das explicações dos outros sociólogos
brasileiros. Segundo ele, tais sociólogos clássicos no Brasil, como Roberto
DaMatta ou Sérgio Buarque de Holanda, infestavam suas explicações com “culturalismos”,
demonstrando uma visão preconceituosa do brasileiro em seus estudos e
atribuindo exclusivamente ao povo brasileiro problemas recorrentes em vários
outros povos na modernidade. O chamado “jeitinho”, a busca pelos favores e
pelos privilégios, são problemas, segundo Jessé, não exclusivos do povo
brasileiro, como defendiam esses sociólogos, mas sim características
recorrentes em todas as sociedades ocidentais na modernidade.
Jessé Souza também
afirma em seu livro que esse comportamento aparente em nossa sociedade atual é,
na verdade, influenciado pelas instituições basilares da sociedade capitalista,
o mercado competitivo e o Estado centralizado. Nesse sentido, Jessé aproxima-se
novamente de Weber ao conversar com o conceito de racionalização e burocratização
do mundo capitalista, dois efeitos decorrentes da busca pelo modelo econômico
atual em tornar o aparato estatal o mais eficiente possível, inclusive ao engendrar
nas pessoas uma maior produtividade. Essa racionalização, notadamente criada
pelo modelo capitalista, atua na ação social das pessoas, aquilo que weber
afirmava ao dizer que as instituições moldam a ação social, ou seja, estimulam
nosso comportamento na realidade.
A partir da síntese
do pensamento desses dois sociólogos que podemos estabelecer uma compreensão de
nossa realidade, superando os preconceitos referentes a teorias anteriormente
estabelecidas e aproximando-se da realidade de fato, ao vincular a ação social às
instituições que sustentam o modelo em que vivemos. Somos, portanto,
influenciados por essas instituições, e temos nossos comportamentos e atos
voltados a essa tendência do capitalismo, de racionalizar a vida. A busca por
eficiência e produtividade afeta não somente a sociedade brasileira, como
afirmavam os “culturalistas”, mas sim todas as sociedades tomadas pela
mentalidade moderna. É nesse sentido que Weber afirmava sobre o “desencantamento
do mundo”, visto que nossa visão sobre mundo se moldou a essa nova realidade.
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