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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

A sociologia compreensiva com fins de compreender a realidade incompreensível.

 

  É de se notar, ao longo do desenvolvimento do estudo sociológico, as distintas formas como diversos cientistas sociais tentaram sistematizar o estudo de uma ciência até então nova e, portanto, carente de métodos de pesquisa. Desde a criação da sociologia por Comte, ao formular seu método positivista, até a criação do funcionalismo de Durkheim, a sociologia baseava-se nas outras ciências, sobretudo nas naturais, muito bem estabelecidas nas universidades. Essa abordagem inicial do estudo sociológico esteve muito amparada no já mencionado positivismo, que afirmava categoricamente ser possível realizar uma análise sistemática do fenômeno social, adquirindo, mediante a observação dos fatos, a verdade referente ao objeto de estudo. Durkheim, sociólogo amplamente inspirado no positivismo de Comte, dizia que o fato social, o principal objeto do estudo da sociologia, tinha de ser entendido como coisa, ou seja, como algo concreto e, portanto, passível de compreensão mediante observação e análise, essa que seria objetiva e neutra, como bem dizia os positivistas.

  No entanto, com o passar do tempo, e com a evolução do estudo da sociologia, percebeu-se que uma simples e dita análise objetiva do fenômeno social não era o suficiente para se compreender a realidade circundante. Pelo contrário, os sociólogos passaram a julgar o objeto de estudo da sociologia como algo impossível de se entender mediante uma metodologia “infestada” pela abordagem das outras ciências. O que o positivismo tanto fez, ao defender a existência de fatos observáveis, e ao relacionar a ciência social com as ciências exatas e naturais, já não era mais tão aprazível ao estudo sociológico. Nesse contexto, Max weber desenvolve a sua metodologia, pautada em requisitos que levaram em consideração toda essa complexidade da realidade, e que não ignorou as dificuldades concernentes ao estudo do fenômeno social.

  Primeiramente, cabe apontar a grande diferença entre a abordagem de Weber com as abordagens antes presenciadas no estudo da sociedade, que é a impossibilidade de ser imparcial, algo que weber defende veementemente. Entretanto, isso não impede com que o sociólogo possa entender o meio social, mas não é algo tão simples quanto os positivistas pregavam. Isso se dá, pois, todo ser humano carrega consigo interpretações pessoais do mundo, que nunca são totalmente superadas, mesmo pela sua tentativa ativa de suspendê-las. Weber, então, defende que é necessário criar, ao se estudar a sociedade, tipos ideias, modelos idealizados que representem aquilo que, embora não seja real, é possível de se concretizar. Trata-se de uma forma didática de organizar objetivamente a análise do fenômeno social, porém não falseando a realidade, e muito menos adotando a prepotente posição positivista de entendimento do que é “observável”.

  Weber também diferenciou-se da sociologia operante anteriormente ao definir como principal objeto de estudo sociológico a ação social. Diferentemente do fato social, proposto por Durkheim, a ação social é realizada pelos indivíduos em relação a outros, uma interação recíproca caracterizada não como algo externo nem necessariamente coercitivo, mas tendo em vista a ação de outro indivíduo. A ação social são os atos tomados pelas pessoas mediante comportamentos, tendo finalidades variáveis, sendo tanto racionais quanto irracionais. Temos vários motivos diferentes para engendrarmos nossas ações, seja pelo costume que seguimos, pelos sentimentos que nutrimos, pela finalidade que objetivamos alcançar, ou pelos valores que temos conosco e que nos movem a certos atos. Tudo isso é levado em consideração ao se analisar o fenômeno social, sendo essas ações sociais, inclusive, tipos ideais, uma vez que, devido a complexidade de nossa realidade, seria impossível categorizar todos os tipos de ações que tomamos em nossas relações interpessoais.

  Tendo em vista essas considerações, é perceptível o que Weber desejava em seus estudos, não representar a sociedade perfeitamente, e todas as relações contidas nela, mas sim estabelecer formas de, didaticamente, simplificar e categorizar fenômenos que, passíveis de ocorrência, facilitem o entendimento desse tão intricado e difícil objeto de estudo. A sociologia compreensiva desse pensador é formulada nesse sentido, abandonar os antigos vícios aparentes no estudo sociológico, adotando uma abordagem consciente das limitações do entendimento humano e da complexa trama social, impossível de ser objetivamente contemplada, a não ser por simplificações propositadamente criadas para facilitar o seu entendimento.

  Ao se deparar com essa abordagem weberiana da sociologia, Jessé Souza estabelece aquilo que seria a sociologia compreensiva utilizada no sentido de entender a realidade brasileira. Essa relação entre ambos os autores é evidente, pois Jessé, assim como Weber em seu tempo, distanciou-se das explicações dos outros sociólogos brasileiros. Segundo ele, tais sociólogos clássicos no Brasil, como Roberto DaMatta ou Sérgio Buarque de Holanda, infestavam suas explicações com “culturalismos”, demonstrando uma visão preconceituosa do brasileiro em seus estudos e atribuindo exclusivamente ao povo brasileiro problemas recorrentes em vários outros povos na modernidade. O chamado “jeitinho”, a busca pelos favores e pelos privilégios, são problemas, segundo Jessé, não exclusivos do povo brasileiro, como defendiam esses sociólogos, mas sim características recorrentes em todas as sociedades ocidentais na modernidade.

  Jessé Souza também afirma em seu livro que esse comportamento aparente em nossa sociedade atual é, na verdade, influenciado pelas instituições basilares da sociedade capitalista, o mercado competitivo e o Estado centralizado. Nesse sentido, Jessé aproxima-se novamente de Weber ao conversar com o conceito de racionalização e burocratização do mundo capitalista, dois efeitos decorrentes da busca pelo modelo econômico atual em tornar o aparato estatal o mais eficiente possível, inclusive ao engendrar nas pessoas uma maior produtividade. Essa racionalização, notadamente criada pelo modelo capitalista, atua na ação social das pessoas, aquilo que weber afirmava ao dizer que as instituições moldam a ação social, ou seja, estimulam nosso comportamento na realidade.

  A partir da síntese do pensamento desses dois sociólogos que podemos estabelecer uma compreensão de nossa realidade, superando os preconceitos referentes a teorias anteriormente estabelecidas e aproximando-se da realidade de fato, ao vincular a ação social às instituições que sustentam o modelo em que vivemos. Somos, portanto, influenciados por essas instituições, e temos nossos comportamentos e atos voltados a essa tendência do capitalismo, de racionalizar a vida. A busca por eficiência e produtividade afeta não somente a sociedade brasileira, como afirmavam os “culturalistas”, mas sim todas as sociedades tomadas pela mentalidade moderna. É nesse sentido que Weber afirmava sobre o “desencantamento do mundo”, visto que nossa visão sobre mundo se moldou a essa nova realidade.

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