Quando
comecei a pesquisar sobre possíveis cursos e carreiras que eu tinha interesse,
me lembro de cruzar com a área do jornalismo. Enquanto assistia vídeos e conversava
com pessoas da área, reparei um padrão nas reclamações; “só consigo trabalho
como freelancer” me diziam repetidamente. O freelancer é o profissional
que não possui vínculo formal com uma empresa, é contratado para um trabalho especifico
e pago por ele após a entrega. E uma vez que ouvi o termo e a reclamação,
passei a notar o quão comum era essa relação empregatícia.
Gradativamente
reparei também que, não apenas a área do jornalismo, como todas as áreas
profissionais, estavam se esvaziando da expectativa de empregos a longo prazo e
adotando essa forma itinerante de trabalho. Dessa forma, a nova geração que estava
entrando no mercado e cresceu observando pais, tios e outros familiares que
passaram quinze, vinte anos, trabalhando para uma mesma empresa e pregavam a
ideia de crescer no ambiente de trabalho; precisavam se adaptar a esse cenário profissional
imprevisível, o qual não possuíam nenhum exemplo ou conhecimento prévio de como
lidar.
Nesse
panorama, dois motivos que podem ser citados para explicar a adoção em massa
dessa prática é o aumento de lucro que ela gera para as empresas, e a volatilidade
desse arranjo, que contribui para que haja mudanças rápidas dentro das
estruturas de produção. Ou seja, duas características altamente valorizadas no
sistema capitalista atual: lucro e rapidez.
Em
outras palavras, o trabalhador freelancer é um prestador de serviço, alguém que
trabalha de forma terceirizada, e, portanto, não recebe benefícios ou os
direitos garantidos pelo CLT durante o vínculo empregatício. E por não ser um
empregado, gera menos custos ao contratante.
Já
no caso do contratado, essa perspectiva é assustadora. Não se sabe se vai ser
oferecido outro projeto ou quando, o salário não é um fator constante, e nas
empresas que oferecem contratos empregatícios, o contrato possui data de
validade, dessa forma, não há qualquer perspectiva de crescer dentro da instituição.
Ademais,
partindo do pressuposto marxista que conclui que relações profissionais tem consequências
na consciência da sociedade, vale observar que tipo de efeito esse modelo
possui para aqueles que participam dele. Um desses efeitos pode ser observado
em “A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo
capitalismo.” De Richard Sennet, quando o mesmo descreve a linguagem usada por um
indivíduo, referido no texto como Rico, que foi demitido diversas vezes e
devido a isso teve que se mudar repetidamente. Sennet conta que raras vezes
Rico usou da voz passiva para descrever os fatos, embora muitas das mudanças
não tenham sido do seu desejo. “Não podia tomar medida alguma. Mesmo assim,
sente-se responsável por esse fato, que transcendeu o seu controle; toma-o a si
literalmente, como um fardo.”, Sennet afirma.
Interpreto
esse fenômeno como uma colisão da propaganda capitalista que defende a
meritocracia, com a estrutura de um mercado que não valoriza o trabalhador. De
um lado temos um discurso que afirma e reforça a ideia de que para conquistar o
sucesso requer apenas esforço e dedicação, enquanto do outro temos um sistema
que não se importa com o indivíduo, não valoriza lealdade ou dedicação, e coloca
o lucro sempre em primeiro lugar. Quando os dois se encontram, o individuo é
assombrado por uma culpa. Acredita que a situação foi consequência de uma
suposta falta de esforço ou de dedicação, e não do sistema em si.
Além
disso, ainda usando do texto de Sennet, é possível afirmar que esse modelo de mercado
que valoriza relações curtas e descartáveis, reflete numa sociedade que forma
morais de mesmo caráter com o meio e uns com os outros. Como exposto no trecho:
Esse
conflito entre família e trabalho impõe algumas questões sobre a própria
experiência adulta. Como se podem buscar objetivos de longo prazo numa
sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como
pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida
numa sociedade composta de episódios e fragmentos?
Dessa
forma, eu acredito que tendemos a ficar cada vez mais inseguros profissionalmente,
além de estar vulneráveis a aceitar contratos desfavoráveis para não ficar fora
do mercado de trabalho. Bem como também estamos sendo conduzidos a desenvolver
relações cada vez mais fugazes com o meio, socialmente e com as atividades que
realizamos.
Vitoria Talarico de Aguiar, matutino
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