Carta a Stalingrado
[...] Os telegramas cantam um mundo novo
que nós na escuridão, ignorávamos.
Fomos encontrá-lo em ti, cidade destruída,
na paz de tuas ruas mortas mas não conformadas,
no teu arquejo de vida mais forte que o estouro das bombas,
na tua fria vontade de resistir.
Saber que resistes.
Que enquanto dormimos, comemos e trabalhamos, resistes.
Que quando abrimos o jornal pela manhã teu nome
(em ouro oculto) estará firme no alto da página.
Terá custado milhares de homens, tanques e aviões, mas valeu a pena.
Saber que vigias, Stalingrado,
sobre nossas cabeças, nossas prevenções e nossos confusos pensamentos distantes
dá um enorme alento à alma desesperada
e ao coração que duvida.
[...]
Carlos Drummond de Andrade
Os anos de 1939 a 1945 foram palco da Segunda Guerra Mundial, evento catastrófico que inaugurou novas visões sobre as relações de trabalho e a exploração do homem no capitalismo. Embora existisse um consenso sobre o combate ao fascismo dentre os países Aliados, sobretudo na Inglaterra, os britânicos começaram a notar a contradição interna dos governantes, que recrutavam a classe trabalhadora para os campos de batalha, ao mesmo tempo que colocavam dinheiro nas mãos da classe dominante: a própria guerra virou um meio de obter lucro para alguns, enquanto era motivo de “morrer pelo país” para outros. Somado a isso, as condições de trabalho durante esse período foram absurdamente precarizadas, devido à negligência quanto a esse assunto daqueles que depositavam seu interesse apenas na guerra. O resultado desse cenário foi a eclosão de greves no país contra a situação instável dos trabalhadores.
Concomitantemente, a União Soviética atravessava uma experiência socialista e, junto com os Aliados, desempenhou um dos papéis mais importantes na derrota contra o fascismo alemão. Após ser invadida pelos nazistas, que tinham como um dos objetivos extinguir a “ameaça comunista”, a URSS acabou por derrotá-los de maneira histórica, em uma conquista fundamental para toda a ordem mundial. Com isso, é possível entender que o esforço de guerra depende, em grande parte, da motivação para ela. Embora todos os países Aliados se sentissem ameaçados pelo Eixo, o desvio do objetivo essencial -combater o fascismo- em prol do lucro gerou uma grande instabilidade interna. De maneira oposta, o esforço conjunto em combater uma ameaça pessoal a uma ideologia política foi motivo para um combate, apesar de estrategicamente defeituoso, eficiente. Por fim, coube ao resto do mundo capitalista reverenciar o governo socialista soviético, que, apesar das perdas irreversíveis, eliminou uma das maiores ameaças globais à política moderna.
As inquietações da guerra geram muita perplexidade na humanidade, muitas vezes resultando em uma interpretação abstrata dela pela arte. Carlos Drummond de Andrade, em sua poesia, mostra a mescla dessa inquietação com a razão dos conflitos e os resultados dele. Tal é a realidade: é difícil analisar os fenômenos sociais enquanto acontecem, mas necessário senti-los; dessa forma, o poeta combina a materialidade dos fatos com a sentimentalidade que eles despertaram.
Ana Clara Alves Gasparotto - 1º semestre - Direito Matutino
Nenhum comentário:
Postar um comentário