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segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Rubem Braga, marxismo e celebração da vida

 Inúmeros críticos literários nomeiam Rubem Braga (1912 – 1990) como o

grande cronista da literatura brasileira no século XX. Nascido em Cachoeiro do

Itapemirim (ES), mudou-se jovem para a antiga capital federal (Rio de Janeiro) e lá

iniciou seu ofício de jornalista e cronista. A crônica, como gênero literário, pode abarcar

temas diversos e caminhou pari-passu com o desenvolvimento das cidades brasileira.

Apenas uma análise histórica carioca revela-nos Machado de Assis, Lima Barreto,

Nelson Rodrigues, Sérgio Porto, Antônio Maria, Paulo Mendes Campos, Fernando

Sabino, Carlos Drummond de Andrade e tantos outros cuidaram com carinho do idioma

e das agruras da capital, cada vez maior e mais bruta.

Em uma crônica chamada “Recado ao Senhor 903”, uma conversa de dois

vizinhos, com um deles reclamando dos ruídos noturnos originários de outro

apartamento. O primeiro queixava-se que existe um regulamento predial que

determinava o silêncio a partir de 22 horas. E que quem trabalha das enquanto o dia está

claro, merece descanso e silêncio no recesso de seu lar durante à noite. O outro vizinho,

de forma bastante cortês, promete respeitar e promete não fazer mais barulho após as 22

horas. Mas este sugeriu uma nova forma de encarar a vida.

A comunicação entre os dois moradores de apartamentos diferentes realizou-se

por números (e por carta). Números de seus apartamentos. Ou seja, não se conheciam, e

o ponto de contato entre eles foi uma .... reclamação escrita. Esta, por sua vez,

notadamente determinada pelo tempo do trabalho, pelo tempo do capitalismo, pelo

tempo dos concretos, das fumaças de ônibus do trajeto casa – trabalho. Enfim, o recorte

temporal da relação de trabalho. O conformismo adaptou-se ao trabalho e,

consequentemente, o horário de descanso também. A jaula de ferro do tempo o impedia

de ver novas formas de ver ou protagonizar o passar do tempo.


O vizinho barulhento propôs uma outra vida ao vizinho “reclamão”: uma

eventual oferta do “compartilhamento do barulho”. Só que o barulho do barulhento é

música, baile, alegria. E estes permitissem a ambos o compartilhamento do pão e do

vinho, porque a vida é curta e a lua é bela. E a metamorfose do barulho (na cuca do

reclamão) permitiria um naco de intimidade ao entoarem canções juntos, agradecendo a

Deus o brilho das estrelas, o murmúrio dos ventos nas folhas das árvores, o dom da

vida, a amizade, o amor e a paz. Pergunto-me: Rubem Braga teria sido premonitório em

relação aos afastamentos dos seres humanos e ao mecanicismo das vidas urbanas,

determinadas pelas relações de produção, pela percepção do mundo pela razão? Parece

que sim.

A individualidade estrita de Hegel, notada no incômodo do vizinho reclamão, ao

recorrer à lei interna para “colocar ordem no funcionamento do prédio”, é quebrada pela

gentileza do vizinho barulhento, que ofertou quinhões de seus bens materiais para que a

amizade entre os seres humanos pudesse ser celebrada. Mas a percepção do mundo pela

razão viciou o reclamão.

Após ler este texto, para um fã das crônicas de Rubem Braga, é possível

imaginar o que seria este texto em tempos pós e durante revolução técnico-científica

informacional: as conversas por telas de computadores, as exposições da vida pessoal

por fotografias de redes celulares, a tênue fronteira entre trabalho e descanso dentro da

própria casa, as notícias e concatenações de ideias pelos likes. O que seria?

O texto foi publicado em 1953. Ouso dizer que, para sorte do Rubem Braga, ele

não vive os tempos de agora.


CURSO: DIREITO – Período Noturno

Disciplina: Introdução à Sociologia

Ricardo Camacho Bologna Garcia – Número UNESP: 211221511

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