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domingo, 18 de julho de 2021

Um espectro ronda o Brasil

O positivismo de Augusto Comte é prevalente em algumas altas esferas da sociedade brasileira, em especial nas altas castas militares das diversas armas. Esta filosofia, tendo uma raiz empiricista, busca as formas usuais de construção de conhecimento científico aplicados aos fenômenos sociais, como experimentos, medições, a busca por leis gerais etc.

Esta prevalência militar do positivismo pode ser explicada em parte pela quase perfeita consonância que ela tem com o funcionamento interno das instituições militares modernas: Desde a compra de comida do quartel e limpeza dos banheiros até o lustramento das botas e manutenção periódica dos equipamentos e armamentos, por uma questão prática e para manutenção da disciplina militar necessária para o regular funcionamento de um corpo de homens armados treinados para enfrentar situações caóticas sem debandar ou cometer crimes de guerra, é inerentemente científica e principiada na busca pela ordem e funcionamento “social”, interno ao quartel, regular e baseado em regras. Não é necessário muito esforço para que os oficiais formados com estes objetivos e elementos em suas mentes sejam tentados a ver a sociedade civil da mesma forma cientificista e que tentem aplicar uma forma deste modelo tecnocrático de gestão em um cargo público que venham a ocupar.

Ainda que eles próprios não estudem Comte, se aprofundando nas minúcias sua doutrina, o positivismo que foi estudado pelos seus antecessores ainda no exército imperial, ditou as normas gerais e regras de funcionamento da instituição e seus posicionamentos na política nacional. Grande parte das políticas públicas do governo militar não podem ser atribuídas a pensamentos conservadores ou direitistas no sentido estrito do termo. Mas sim a uma busca de um governo tecnocrático que estabilizasse o país com o governo nas mãos de técnicos sábios e longe das mãos fétidas das massas ignorantes.

Como exemplo desta busca de ordem podem ser citadas as “minirreformas agrárias” do regime militar por meio do estatuto da terra em busca da “pacificação do campo” até as mais cômicas e aparentemente sem sentido, como a proibição da música de Odair José “Pare de tomar a pílula”, que narra um homem apaixonado pedindo a sua esposa que pare de tomar anticoncepcional para que eles tenham um filho. Esta música foi proibida, pois à época o regime seguia uma política de redução populacional com distribuição de remédios e preservativos numa política de castração de pobres para que não houvessem mais miseráveis abalando esta ordem constituída. E neste contexto, a música teve que ser censurada para a manutenção da “paz social”, ainda que a força conservadora mais prevalente na época fosse a Igreja Católica, que foi e é contra métodos contraceptivos que impossibilitem completamente a geração de vida.



Hoje estas influências positivistas podem ser também reconhecidas no isentismo ideológico de pessoas atuantes na política, a busca por “técnicos” em oposição aos “ideológicos”, gestores ao invés de políticos, a busca por uma nominal pureza científica em problemas sociais complexos e tantas outras facetas deste pragmatismo radical são claramente influência deste cientificismo social que foi impregnado de tal forma no pensamento nacional que pessoas que nunca ouviram falar de Comte tem suas ideias como verdade revelada.

O governo de São Paulo, à exemplo destas medidas puramente científicas sem análise apropriada do contexto que circunda estas ações, ao analisar o número de alimentos descartados por exacerbação do prazo de validade em mercados do estado juntamente com o número de famílias e moradores de rua com insegurança alimentar, tiveram a brilhante ideia de produzir e distribuir comida liofilizada, comida tratada sob um processo especial similar ao de fabricação de ração para animais, esta é usada em zonas de guerra pelo seu prazo de validade ser infinitamente superior ao da comida comum. Tal medida foi batizada por opositores de “Ração pra pobre”.



De fato, caso implementada ela não permitiria que ninguém morresse de fome com biscoitinhos liofilizados praticamente gratuitos, visto que seriam doados. Porém esta análise rasa e míope não considerou a degradação psicológica do pai ou mãe que dariam ração de comer aos seus filhos por não terem dinheiro para algo melhor, não considerou as implicações sociais de criar um apartheid gastronômico entre comida de rico e de pobre mais acentuada do que já existe e tantas outras considerações sociais da medida que não podem ser medidas pela frieza dos números em confortáveis escritórios governamentais.

Portanto a filosofia do cientificismo social de Comte se mostra claramente presente nas relações sociais do Brasil, seja com seu próprio nome ou somente em seu conteúdo mesclado a outras filosofias e políticas públicas, e se mostra incapaz de pautar de forma apropriada as políticas públicas e ciências sociais, que diferentemente das ciências naturais e matemáticas, tem fatores interseccionais tantos que se assemelham a um modelo caótico descrito em alguns fatores físicos em que a posição de certos entes só podem ser descritas em taxas de probabilidade e não em certezas absolutas como 2+2=4.

Rafael Carlos Monteiro Martinelli, 1sem Direito Noturno.

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